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A Ilusão do Tempo de Andri Snær Magnason

Sobre um tronco de árvore está a edição do livro A Ilusão do Tempo, de Andri Snaer Magnason, publicado pela Editora Morro Branco; ao redor, cobrindo a parte de baixo e esqueurda do cenário, estão várias flores artificiais verdes, brancas, cor de rosa e azuis; do lado direito, no canto superior, em cima de um lenço de cor bege, está uma xícara sobre um pires, na cor verde, imitando o formato de uma folha.

O que é o tempo, para além da medida que usamos para contar sua passagem? Essa é a pergunta que dá origem à saga presente em A Ilusão do Tempo, a premiada obra infanto-juvenil de Andri Snær Magnason, autor islandês que é também ambientalista e diretor de documentários.

Em pouco mais de trezentas páginas, o que experimentei foi nada mais do que puro deleite, ainda que, a seu modo, também seja assustador pensar num futuro em nós controlamos o tempo.

Digo enfim porque essa é, sem dúvidas, uma meta que nós almejamos mesmo quando não percebemos. Idolatramos a juventude, a passagem do tempo é vista como algo negativo e a efemeridade com que consumimos e vivemos não condiz com nossa consciência de que tudo é, senão, breve e passageiro.

Sobre um tronco de árvore está em foco a parte de dentro da capa do livro A Ilusão do Tempo e seu marcador de páginas, de Andri Snaer Magnason, publicado pela Editora Morro Branco; ao redor, cobrindo a parte de baixo e esqueurda do cenário, estão várias flores artificiais verdes, brancas, cor de rosa e azuis; do lado direito, no canto superior, em cima de um lenço de cor bege, está uma xícara sobre um pires, na cor verde, imitando o formato de uma folha.

A história presente em A Ilusão do Tempo

Era pleno verão, o sol brilhava e os pássaros cantavam, mas ninguém parecia estar feliz.

a ilusão do tempo

Assim começa A Ilusão do Tempo, livro que nos apresenta duas linhas narrativas que são, na verdade, uma história dentro de uma história.

Começamos conhecendo Vitória e sua família, que estão vivendo um momento de crise financeira mundial e decidem que é melhor esperar por tempos melhores. Por causa disso, cada um dos membros da sua família vai para dentro de uma caixa de vidro programada para abrir apenas quando tempos melhores chegarem.

A caixa de Vitória abre muito tempo depois, sua casa está tomada pela natureza, mas seus pais permanecem cada um em sua própria caixa. Quando a menina vagueia pelo mundo que se tornou mais selvagem e verde, acaba numa casa que repleta de outras crianças. E é lá que todas elas ouvem a história da Princesa Eterna.

Uma senhora conta a história de uma princesa que viveu em tempos longínquos e que foi colocada por seu pai em uma arca mágica. Dentro da arca, o tempo simplesmente não passava.

Aos poucos, a história que mais parece um conto de fadas revela para Vitória muitas semelhanças com o seu próprio mundo. Mas o principal é que ela precisará se inspirar nessa história para encontrar uma forma de libertar seus pais e consertar o mundo.

Sobre um tronco de árvore está a edição do livro A Ilusão do Tempo, de Andri Snaer Magnason, publicado pela Editora Morro Branco; ao redor, cobrindo a parte de baixo e esqueurda do cenário, estão várias flores artificiais verdes, brancas, cor de rosa e azuis; do lado direito, no canto superior, em cima de um lenço de cor bege, está uma xícara sobre um pires, na cor verde, imitando o formato de uma folha.

A narrativa de Andri Snær Magnason

A singeleza com que a história de Vitória e, em seguida, a da princesa Obsidiana é tecida nas páginas de A Ilusão do Tempo faz com que a leitura seja prazerosa, leve, fluida e até divertida.

Nada disso deixa de lado as reflexões incríveis sobre a nossa relação com o mundo em que vivemos. Vai desde o modo como consumimos, gastamos nosso tempo e a relação que se estabelece sobre o que vale ou não a pena viver.

Para inserir essas reflexões, o autor usa brilhantemente da mistura de fantasia, ficção científica, drama e contos de fadas. Isso faz de A Ilusão do Tempo todas essas coisas e, de forma sublime, também algo inteiramente novo.

Branca de Neve e os Sete Anões, Farenheit 451 & A Ilusão do Tempo

A ode aos contos de fadas que encontramos no livro se faz presente até mesmo nas referências que se destacam com o clássico Branca de Neve e os Sete Anões, história que povoa o imaginário popular há muito tempo. Dentro dessa referência, temos a jovem e bela princesa, de aparência bem delineada:

Sua pele era branca como a neve, os lábios vermelhos como sangue, os cabelos negros como asas de corvo.

a ilusão do tempo

As semelhanças não cessam aí, o modo de construção da trama e os elementos que são inseridos também lembram o clássico conto de fadas. Desde personagens anões à própria arca em que a princesa é colocada, muito ressoa à história que tão bem conhecemos.

Ao mesmo tempo, existe um quê de inacreditável durante a leitura, mas que se prova uma possibilidade assustadora aos olhos do leitor.

Como acontece no clássico de Ray Bradbury, Farenheit 451, a situação em que o mundo está parte de escolhas feitas pelas próprias pessoas. E isso vai desde a natureza selvagem que toma tudo às pessoas enclausuradas em caixas de vidro anti-tempo.

Se em Farenheit 451 as pessoas fecharam os olhos para o diferente e criminalizaram os livros, em A Ilusão do Tempo nós fechamos os olhos para as dificuldades, para as segundas-feiras maçantes e para tudo que é incômodo. Deixamos que o mundo como o conhecemos acabasse para esperar por um melhor pelo qual não trabalhamos para criar.

O esquecimento geral, tal qual acontece com a vida da princesa Obsidiana, é o fato de que a vida acontece mesmo é no trivial e no cotidiano.

A vida não é feita apenas de dias bons, alegrias e conquistas. São exatamente as pequenas coisas mundanas e rotineiras que acabam por compor as possibilidades para os momentos de euforia e felicidade.

Como bem disse Guimarães Rosa,

felicidade se acha é nas horinhas de descuido

guimarães rosa

O elemento temporal no livro

No meio de tudo isso, não dá para esquecer daquele que tem seu nome no título da obra: o tempo. Mais do que uma forma de contar a duração das coisas, o período de existência, o tempo é um personagem em A Ilusão do Tempo.

Apesar de passar a impressão de ser uma história ambientada no futuro e no passado, sua reflexão nos levam é para o agora. Ambas as histórias, de Vitória e de Obsidiana, nos remetem ao tempo à era do consumo exacerbado, do conteúdo volátil e do excesso de informação.

O tempo é, para qualquer um que se proponha a saber, o bem mais valioso que possuímos. E isso é algo que vem desde o momento em que temos a noção do que ele é e da nossa permanência efêmera nesse mundo.

Tempo: uma questão de poder

Por tudo isso, o conceito de tempo fica bem próximo da ideia de poder ao longo da história:

ninguém conquista o mundo se não pode conquistar o tempo!

a ilusão do tempo

O que o rei busca, ao colocar sua filha na arca à prova do tempo é exatamente o controle sobre o tempo. Porque, por mais rico, influente e poderoso que ele fosse, a verdade ainda batia à porta: sem controle do tempo, não existe verdadeiro poder.

Tudo isso dialoga muito com nossas questões mundanas atuais, e vemos um retrato, com as experiências de Vitória, de um mundo que conseguiu exatamente esse controle sobre o tempo.

E, de forma aterradora, o que se decidiu é que era melhor não vivê-lo. Justamente porque deixar que outros tomem a tarefa de criar um mundo melhor é muito mais fácil. Só se esqueceram que, se todos esperam por isso, ninguém realmente cria tempos melhores.

O que a história nos mostra nos faz refletir em camadas sob camadas o significado da sua passagem e, claro, também sobre como decidimos usar esse bem precioso. E, sem dúvidas, eu poderia escrever mais três resenhas e não esgotaria, nem de longe, tudo que pode ser dito sobre a obra.

Mas, uma verdade inquestionável é o fato de que, ler A Ilusão do Tempo foi um ótimo gasto do meu próprio tempo. Esse é, sem dúvidas, um livro que recebeu o Selo Retipatia de Qualidade.

Eu não tinha mais certeza se o mundo estava enfeitiçado ou se ele havia se livrado de um feitiço. As pessoas já o tinham destruído tanto. As pessoas estavam numa corrida contra o tempo, tentando acumular tantas as coisas e tanto lixo quanto pudessem. Destruíram tudo que havia de belo e agora elas se fechavam dentro de sua própria idiotice.

a ilusão do tempo

O feminino em A Ilusão do Tempo

Seria impossível falar dessa história sem passar pela presença feminina que vai desde o protagonismo de Vitória até o de Obsidiana. Porque sim, ambas são protagonistas do livro e também de suas próprias histórias.

Quando avaliei como a figura feminina, como as mulheres são representadas na história, eu vi as dores e os lamentos do nosso mundo presentes nas suas mais variadas formas.

O masculino impera e rege regras enquanto o feminino precisa se dobrar à sua vontade e acaba tendo um auto reflexo trincado e embaçado de si.

Quando falamos da história de Obsidiana, que tem mais espaço na trama, é claro como o mundo dos homens se sobrepõe ao das mulheres.

O mundo também se distorce para o círculo que orbita a arca do tempo em que fica a Princesa Eterna: a rainha, suas filhas, a ama da princesa, são todas peças em um jogo para o qual não foram convidadas a entrar, mas colocadas e dispostas ao bel prazer masculino.

O feminino e o tempo

Além disso, é possível notar como questões do tempo se misturam aos debates e pautas atuais como a ode à juventude e a beleza vinculada à juventude, nos quais a própria Obsidiana é um espelho.

Na trama, um dos fatores pelo quais Obsidiana se torna a Princesa Eterna é a sua incapacidade em envelhecer, mudar e perecer, como o que acontece com tudo ao seu redor. É o ápice da valorização da beleza juvenil, que se torna mais importante e até endeusada em relação à qualquer outro ser.

Ao mesmo tempo, a personagem é silenciada em seu próprio mundo, das mais diversas formas. O controle sobre ela toma proporções gigantescas e é, em vários aspectos, um retrato do silenciamento da voz feminina na nossa História.

Por tudo isso e por detalhes que você conhecerá quando ler, este livro pode até ter a classificação de uma obra infanto-juvenil, mas, como também não se encaixa em apenas um estilo literário, também não se restringe à uma faixa etária. A Ilusão do Tempo foi feito para viventes de qualquer tempo e idade.

Mais quotes do livro A Ilusão do Tempo de Andri

Em toda partem era a mesma história: casas-fantasma, ruas-fantasma e cidades-fantasma. Tudo abandonado e vazio, mas o mundo em si estava longe de estar morto, estava verde e exuberante, com seus asfaltos e concreto encobertos por florestas. O mundo com certeza tinha sido enfeitiçado.

Às vezes é possível controlar mais ao controlar menos.

O silêncio não aplaca a tristeza.

Quem apanha todos os gravetos pode se queimar na fogueira.

O mundo não se comanda com uma cabeça apenas.

Sou EU que governo o reino. Eu que dou anistia e sentencio à morte, eu que venço batalhas. Posso depor deuses e fazer com que o povo adore a mim no lugar deles, mas reserva-se a mim o mesmo tempo que ao mais miserável dos escravos! Um mendigo pode viver cem anos, enquanto eu poderia bater as botas amanhã mesmo. Para quem conquistar o mundo se o mundo por fim rouba meu tempo?

A alegria bebe o que o tédio fermenta.

Eu perdi a noção do tempo. O que é esse tempo, afinal de contas? O que é isso que transforma de um instante a outro um filhotinho num cachorro grande, que enfeitiça os brotos verdes das sementes para que eles se transformem em árvores gigantes em um momento? O que maltrata tanto as pessoas velhas a ponto de elas se curvarem e morrerem?

O mundo inteiro a ama e continuará a amá-la pela eternidade, ao passo que a maioria das pessoas é amada somente por uns poucos e por um breve momento.

É doloroso estar sempre se despedindo, mas é pior ver o seu tempo ser devorado e desaparecer no vazio. Você tem tempos muito emocionantes pela frente.

Não vou perder meu tempo matando-o. Cada dia que você vive é sua própria derrota.

Sentia o tempo como se fosse água, uma água fria e profunda que enchia sua boca e suas narinas, e ele sufocava. Não conseguia recuperar o fôlego e sentiu como se seus tímpanos estourassem e seus olhos caíssem de sua face. O tempo era como um leão que rugia para ele, o irritava como pernilongos zumbindo em seu ouvido. Dímon se coçou, como se insetos do tempo estivessem mastigando furiosamente suas articulações, devorando a medula de seus ossos, arrancando seus dentes e nublando a sua visão. O tempo era um enxame de moscas que zuniam em sua cabeça, perseguiam as suas memórias e voavam para longe com elas.

A vingança sempre atinge quem menos devia.

Só quem compreende de onde vem a maldição pode fazer o mundo tomar um rumo melhor.

A Ilusão do Tempo

 

Título original:
Tímakistan

Autoria:
Andri Snær Magnason

Autoria:
Tradução Suzannah Almeida

Editora:
Morro Branco

Ano de lançamento:
2017

ISBN:
978-8592795061

Gênero:
Fantasia | Ficção Científica | Contos de Fadas

Páginas (nº):
320
Quando as coisas não vão nada bem e os economistas preveem uma enorme crise financeira, a família de Vitória ― assim como o resto do mundo ― decide se esconder em suas misteriosas caixas pretas à espera de tempos melhores. No entanto, após vários anos, a caixa de Vitória se abre e a menina se vê em uma cidade em ruínas. Sem rumo, ela caminha por prédios e ruas tomadas por florestas e animais selvagens, até chegar à uma casa onde crianças se reúnem em torno de uma senhora para ouvir a história de um rei ganancioso que conquistou o mundo, mas desejava conquistar o tempo. Para poupar sua bela princesa dos dias escuros e sombrios, normais ou sem valor, ele a coloca em uma caixa mágica transparente como cristal, mas feita de uma seda de teia de aranha tão densa que o próprio tempo não consegue penetrar. Vitória aos poucos percebe uma conexão entre sua própria história e a do reino mágico. Junto com seus novos amigos, ela precisa encontrar uma forma de consertar o mundo antes que seja tarde demais.
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