às quartas nós lemos a GLit

receba a newsletter sobre literatura, criatividade e criação de conteúdo gratuitamente no seu e-mail

Meninas Selvagens ♥ Rory Power

Resenha do livro Meninas Selvagens, de Rory Power, publicado no Brasil pela Galera Record em 2020.

Meninas Selvagens presas em uma ilha, antes um colégio, agora uma amurada contra a floresta que foi tomada pela Tox. O detalhe é que, na verdade, a Tox já tomou tudo, de inúmeras vidas à sanidade. Mas também trouxe algumas coisas como uma coluna vertebral extra, uma mão com escamas e até mesmo guelras. Presas há mais de um ano, com comida escassa e sem previsão de uma cura, as coisas fogem do controle quando uma delas desaparece. Talvez a Tox não seja a única coisa que elas precisam temer, ainda que elas sejam meninas selvagens.

Meninas Selvagens (Wilder Girls)
Rory Power
Tradução Marcela Filizola
Galera Record | 2020 | 320p.
Disponível em Amazon
“É assim com todas nós aqui. Doentes, estranhas, e não sabemos por quê. Coisas irrompendo de nós, pedaços faltando e partes desprendendo, depois endurecemos e acalmamos.”
Resenha do livro Meninas Selvagens, de Rory Power, publicado no Brasil pela Galera Record em 2020.

Sobre Rory Power

Rory Power cresceu na Nova Inglaterra, se formou pela Middleburry College e tem mestrado em ficção em prosa pela Universidade de EastAnglia. Rory lembra com carinho do tempo que esteve lá, em parte porque aprendeu muito, mas principalmente porque havia muitos coelhinhos no campus. Meninas Selvagens é seu primeiro romance.

Resenha do livro Meninas Selvagens, de Rory Power, publicado no Brasil pela Galera Record em 2020.

Sinopse de Meninas Selvagens

Há dezoito meses, a Escola Raxter para Meninas entrou em quarentena. Há dezoito meses, uma misteriosa doença virou a vida de Hetty do avesso.

Começou devagar. Primeiro, as professoras foram morrendo, uma a uma. Então, começou a infectar as alunas, transformando o corpo delas em algo cada vez mais estranho. Isoladas do resto do mundo e deixadas à própria sorte, as meninas não se atrevem a ultrapassar o limite da escola. Hetty, Byatt e Reese esperam a cura prometida enquanto a doença se alastra.

Mas tudo muda quando Byatt desaparece. Hetty não medirá esforços para encontrá-la, mesmo que isso signifique quebrar a quarentena e desbravar os horrores que as esperam além da cerca que separa a escola da floresta. E quando Hetty se lança rumo ao desconhecido, descobre que há muito mais mistérios por trás dessa história que ela jamais poderia imaginar.

Meninas selvagens combina um cenário de terror com a angústia e a ternura da adolescência para explorar até onde um grupo de meninas é capaz de ir para sobreviver e se manter unido. Rory Power constrói uma narrativa que, por vezes irregular e flutuante, demonstra a originalidade e potência de sua escrita, tornando-se uma das novas apostas do gênero.

Resenha do livro Meninas Selvagens, de Rory Power, publicado no Brasil pela Galera Record em 2020.

Meninas Selvagens: a história

Alguns dias são mais difíceis que outros, seja porque a comida é escassa, porque não há comunicação com o mundo exterior ou simplesmente porque alguma garota não sobreviveu à uma erupção.

Mas nem sempre foi assim, o Colégio na Ilha de Raxter costumava ser uma construção grande, bonita, cheia de alas, das mais novas às mais antigas, abrigando o corpo docente e discente com espaço suficiente para a mais de uma centena que somam juntos.

Isso até a Tox.

Um vírus? Bactéria? O que seria? Ninguém tem certeza, pelo menos, nenhuma das cerca de quarenta sobreviventes que vivem em quarentena, impedidas de sair dos limites da escola. Não que o lado de fora seja exatamente atraente. Se a Tox as transformou, o que aconteceu com a floresta chega a ser mais sombrio, brutal.

Resenha do livro Meninas Selvagens, de Rory Power, publicado no Brasil pela Galera Record em 2020.
“Com uma diferença de apenas uns cinco anos para a mais velha de nós, ela é a mais nova das professoras. Antes disso, morava em nosso corredor e fingia não ver quando alguém perdia o toque de recolher. Agora Welch conta quantas somos todas as manhãs para se certificar de que ninguém morreu durante a noite.”
“Havia em torna de cem meninas quando tudo começou, além de vinte professoras. Todas juntas ocupávamos as alas da casa antiga. Hoje em dia, precisamos apenas de uma.”

Atreladas ao tênue fio de esperança de uma cura estão Hetty, Byatt e Reese. O trio que se formou e agora é a força que as mantém durante os dezoito meses pelos quais a quarentena já se estendeu. Uma cura que não se sabe quando virá, se virá. Mas o trato com o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos) e com a Marinha é claro: enquanto elas mantiverem a quarentena, receberão provisões e as pesquisas para a cura continuarão.

Tudo funcionava exatamente assim, até que Byatt desapareceu. E Hetty, que a considera uma irmã, está disposta a qualquer coisa para encontrá-la. Até mesmo furar a quarentena. E o que ela está prestes a descobrir pode ser mais mortal que a própria Tox.

“Nós as chamamos de Tox e, durante os primeiros meses, eles tentaram transformar isso numa lição. Surtos virais nas civilizações ocidentais: história. ‘Tox’ como a raiz nas línguas latinas. Regulamentações farmacêuticas no estado do Maine. Aulas seguindo como sempre, professoras diante do quadro com sangue na roupa, marcando testes como se todas nós ainda fôssemos estar aqui na semana seguinte. O mundo não está acabando, disseram elas, e a educação de vocês também não deve acabar.”
“Eu me pergunto o que ela vai adquirir, se é que terá alguma coisa de fato. Guelras como Mona, bolhas como Cat, talvez ossos como os de Byatt ou a mão como a de Reese, mas às vezes a Tox não nos dá alguma coisa – apenas tira mais e mais. Nos esgota e faz definhar.”
Resenha do livro Meninas Selvagens, de Rory Power, publicado no Brasil pela Galera Record em 2020.

Meninas Selvagens: a hype, a capa, a história e a narrativa

A hype que precedeu o lançamento de Meninas Selvagens no Brasil começou com a capa. O impacto que ela causa é forte e, atrelada à frase “um terror feminista em meio a uma pandemia“, bem, era quase a descrição do mundo real. Não sou de ler sinopses, então fui impulsionada pela beleza de capa e a promessa de uma história revolucionária. E, apesar da demora em finalmente pegar para ler, criei uma leitura coletiva e fomos até a Ilha de Raxter conhecer as Meninas Selvagens.

A narrativa de Rory Power foi fluida para mim, as páginas passaram com rapidez e, como não leio sinopses, todos os detalhes foram se revelando a medida que prosseguia. O mistério aumentado a cada página, uma curiosidade sobre o que diabos aconteceu nessa ilha? Mas respostas não estava exatamente na previsão do enredo e a narrativa continua a dar pequenos detalhes que talvez signifiquem algo, talvez não sejam nada.

Resenha do livro Meninas Selvagens, de Rory Power, publicado no Brasil pela Galera Record em 2020.
“Na floresta, a Tox é ainda mais selvagem. Não há meninas para a doença destruir, então ela dominou todo o resto. Lá fora, ela floresce e se espalha com uma espécie de alegria. Descontrolada, perversa, livre.”
“Alguns dias são tranquilos. Outros quase me devastam. O vazio no horizonte, e a fome em meu corpo, e como vamos sobreviver a isso se não conseguimos sobreviver uma à outra?”
Resenha do livro Meninas Selvagens, de Rory Power, publicado no Brasil pela Galera Record em 2020.

Seguindo principalmente pelo ponto de vista de Hetty, seguimos descobrindo a dinâmica de convivência, algo próximo do julgamento de merecimento das coisas a partir de quem é mais forte (oi senhor das moscas, é, lembramos de você). E falamos de força bruta aqui. Pequenos incidentes surgem antes do desaparecimento de Byatt e começamos a nos perguntar se estão todas realmente do mesmo lado, especialmente quando se pensa nas duas únicas adultas que restaram na escola: a diretora e uma das professoras.

Conforme a trama prossegue, o que vemos é um foco extremo na busca de Byatt, enquanto alguns pontos vão sendo pouco construídos ou trabalhados pelo caminho, como a relação da dupla Hetty e Reese, que nunca foram tão próximas como Hetty e Byatt.

” Ter vindo para Raxter… foi como se, até antes de eu chegar aqui, eu não tivesse encontrado meu lugar. Como se não soubesse quem eu era até Byatt me dizer.”
“Acho que fui um problema minha vida inteira. Aqui estou eu onde problemas vão. Primeiro Raxter e agora aqui, e sempre estive vindo para cá, não é mesmo, não é mesmo. Inteligente demais e entediada demais e algo faltando, ou talvez algo muito presente.”

Além disso, o que na verdade, nem chego a culpar a história, mas sim a forma de divulgação, é que não é possível encontrar traços marcantes que classificariam Meninas Selvagens como sendo um terror feminista. Terror, sim. Estamos falando de uma história que se passa em uma ilha, durante um período epidêmico e com transformações mortais e grotescas, a ponto de as garotas não sobreviverem na maior parte das vezes.

Mas quando se trata de feminismo, a história não traz debates que coincidam com pautas feministas. O fato de que ele foi chamado de “senhor das moscas feminista” pela Entertainment Weekly não o torna feminista. O fato de termos sim, uma versão de Senhor das Moscas (William Golding) com garotas ao invés de garotos e o fato de 99% dos personagens serem meninas e mulheres, também não.

Resenha do livro Meninas Selvagens, de Rory Power, publicado no Brasil pela Galera Record em 2020.
“Um fenômeno. Não uma moléstia, não uma doença. Isso deixa meu coração em chamas, mas há alguma coisa na maneira como ela diz isso. O nome muito familiar, fácil demais ao sair de sua boca.”
“O jeito como a Tox nos molda à semelhança dos animais ao redor, tentando mudar nosso corpo, forçando-o a ir além do que está disposto. Como se estivesse tentando nos tornar melhores, se ao menos conseguíssemos nos adaptar.”
Resenha do livro Meninas Selvagens, de Rory Power, publicado no Brasil pela Galera Record em 2020.

A trama, é claro, tem pontos positivos. Não só quando se fala em termos de seguir fluida, mas porque, quando se trata da relação entre as garotas, a determinação de Hetty é, no mínimo, notável. Não apenas pelo lado de que ela está disposta a salvar sua amiga mesmo diante de todos os riscos que irá correr, mas também o contraponto exato de que ela aceita as consequências que sequer realmente mediu antes de agir.

Outro ponto interessante é o sistema de poder que foi estabelecido, ele traz consigo o lembrete de que informação é poder. Às vezes, as escolhas daqueles que o detém não são apenas difíceis, mas também exigem custos muito altos a serem carregados. Na história, as meninas sabem muito pouco e, quando uma ou outra informação se revela, bem, nem sempre é possível voltar atrás.

“Continuamos pela escuridão. Quando olho por cima do ombro, o segundo veado está novamente na clareira iluminada pela lua, de pé próximo ao outro e com a cabeça inclinada. Eu o vejo arrancar um pedaço do veado machuado, afastando-se com a boca cheia de carne, o sangue manchando o pelo branco de seu pescoço.
Eu deveria estar surpresa. Mas apenas sinto um lampejo de reconhecimento. Somos todas assim em Raxter. Todas fazemos o que quer que seja necessário para sobreviver.”
“Não escolhemos o que vai nos machucar.”

O deslize final, por assim dizer, chega precisamente com o final da história, não porque ele fica, até certo ponto, em aberto. Mas ele segue um ritmo apressado, sem necessidade e joga várias informações incompletas, na tentativa de dar ao leitor respostas sobre o que diabos acontece naquela ilha de verdade. Só que são, muitas vezes, partes fragmentadas, não tão coerentes e que, de certa forma, fazem parecer que três garotas, são mais capazes de resolver os problemas do que toda uma equipe médica trabalhando há quase dois anos.

A sensação real, ao longo do livro foi de que, se estivesse assistindo à um filme com essa mesma história, terminaria me perguntando “qual a razão disso tudo?”. Isso porque muitas coisas, questionamentos, pontos que poderiam ser trabalhados e aprofundados na história, ficaram superficiais. Como se não fosse possível trabalhar mais de um ponto da história ao mesmo tempo. A própria transformação das garotas é algo que gera curiosidade no leitor, mas ao longo do livro, você sabe de como ocorreu com cinco ou seis garotas. E são mais de quarenta garotas, e é retificado que cada uma é afetada de uma forma pela Tox.

Se eu recomendo? Sempre acredito que é preciso ler para opinar, debater, criticar ou elogiar com propriedade. A leitura valeu a pena para conhecer a trama, a narrativa e a proposta e, apesar do gostinho de poderia ter sido melhor, tem boas reflexões acerca dos sistemas de poder e da lida com a epidemia. Algo muito próximo à realidade em que estamos inseridos, ainda que nossa Tox tenha outro nome. Inclusive, o livro daria uma ótima adaptação para série, especialmente se fossem trabalhados os pontos frágeis.

“As pedras soltam murmúrios conforme o vento ecoa por elas, e jamais vou deixar Raxter para trás, não importa o quão longe eu vá. Esse lugar jamais vai me deixar.”
Resenha do livro Meninas Selvagens, de Rory Power, publicado no Brasil pela Galera Record em 2020.

Aleatoriedades

Meninas Selvagens foi lido numa Leitura Coletiva do Coletivo Fantástico, logo depois de finalizarmos a saga ACOTAR, e foi interessante poder ter outras pessoas para debater sobre essa história. O Coletivo Fantástico é um grupo de leitura coletiva que faz parte do Coletivo da Retipatia, meu projeto literário de leituras conjuntas. Aliás, se você ainda não o conhece, é só acompanhar o @coletivodaretipatia no Instagram.

Por último, mas não menos importante, para quem gosta de uma boa história pandêmica, a dica da vez é de Contágio de David Koepp, que consegue ser divertida e sarcástica em tempos extremos!

Que a Força esteja com vocês!

xoxo

Retipatia
Curiosidades sobre Tehanu, quarto livro Ciclo Terramar

Curiosidades sobre Tehanu, quarto livro Ciclo Terramar

ler artigo
12 HQs nacionais com histórias aconchegantes para aquecer o coração

12 HQs nacionais com histórias aconchegantes para aquecer o coração

ler artigo
A Montanha das Feras de Juliet Marillier: o novo projeto da Ed. Wish no Catarse

A Montanha das Feras de Juliet Marillier: o novo projeto da Ed. Wish no Catarse

ler artigo

Comente este post!

  • Angela Cunha

    Suas fotos me fazem tão bem. Sabe quando você sente o carinho em cada detalhe? é muito isso e eu nunca me canso de agradecer!
    Eu namoro esse livro há um tempo e falar dessa capa é quase desnecessário, já que na minha humilde opinião, é uma das mais lindas que já vi!
    Agora o terror, o medo, o vírus, o isolamento. Peraí, isso é agora? rs
    A sensação é. Há representatividade tão necessária sim, mas acredito que mesmo sendo uma leitura boa, venderam uma sardinha com preço de salmão rs
    Mas eu? Quero muito comer o livro todo rs
    Beijo, sua maravilhosa!
    Angela Cunha/O Vazio na Flor

    responder