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Fumaça, Cinza e Coca-Cola

Saindo do trabalho algumas dezenas de minutos depois do habitual, paro no passeio, esperando a maré de carros cessar enquanto abria a bala que iria comer no ônibus – enquanto ler-ia –  e tinha à mente uma trivialidade qualquer que me levaria a analisar o glitter prateado de meus sapatos e à constatação, não muito revestida de novidade, de que tenho especial apreço por vestimentas na cor cinza – calçados inclusos – e, no soar do plástico que envolve a massa cor de rosa, o chiado da pólvora a incendiar se faz presente.

Num gesto automaticamente antipático, que vem depois do olhar de esguelha que identifica o sujeito alinhado da ação torpe, que agora incendeia o cigarro que é aparado na mesma mão em que jaz uma lata de Coca-Cola, espanto o ar para tentar espalhar o resquício já conhecido do cheiro do apagar do fósforo que tanto me faz pensar de ser esta a pior parte de se acender uma vela, fato este acompanhado de um singelo passo para trás na vã tentativa de evitar a fatídica primeira baforada que sempre se segue à primeira tragada. A cabeça que sai do terno repete meu olhar de esguelha, mas a mão livre da Coca abana a fumaça que vivamente, como se soubesse de minha fuga e me persegue, agindo como reflexo constrangido à antipatia. Abanada a fumaça, cigarro abaixado junto da lata, vai passos para trás.

Sinal abre.

Fora gentileza? Ainda é gentileza quando agimos porque sabemos que incomodamos?

Voltei ao cinza e ao glitter. As balas que comeria enquanto iria ler, sentada no sacolejar do ônibus, acabam antes mesmo que dê o sinal para entrar e os seis minutos que o mostrador indicava finalmente completam doze no relógio do tempo e sento no banco vazio, a pensar nessas palavras, no pulmão dele, no meu, e a certeza de que a Coca que bebi no almoço terá o mesmo efeito da que acompanhava o cigarro.

Crônica escrita na cabeça e passada para o papel no sacolejar do ônibus, num dia qualquer, num banco qualquer, com um lápis cor-de-rosa qualquer a saber, que, nem tudo na vida, precisa ser poesia para fazer sentido. Ou melhor, nem tudo precisa fazer sentido. A quem lê, não esquece de me contar se é amante de uma dose de Coca-Cola ou, quem sabe, de palavras alheias que não fazem sentido algum.

Que a Força esteja com vocês!

Ouvindo: Only Love Can Hurt Like This – Paloma Faith

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Comente este post!

  • Patrícia Lobo

    Eu também sou uma pessoa que adora escrever no comboio, que é o único momento do dia em que estou concentrada, ainda que no meio de toda a multidão 🙂
    Se tivesse uma Coca-cola para me refrescar, saberia ainda melhor!
    Gostei imenso do texto, beijo *

    responder
    • Retipatia

      Oi Patrícia!
      Acho que descreveu bem a sensação, é aquele momento solitário no meio da multidão. Eu achava muito ruim o momento da espera, do trajeto. Depois que os preenchi com momentos introspectivos de olhar ao redor, escrever o que está na cabeça e ler, se tornaram momentos que não dispenso!
      E a Coca é sempre boa acompanhante! <3 Feliz que tenha gostado do texto e obrigada pela visita!
      xoxo

      responder
  • Fernanda Akemi Pedotte

    Oie!!

    Que crônica!
    Como situações do dia a dia tem-se tanto a se falar e eu fiquei a pensar na pergunta: Ainda é gentileza quando agimos porque sabemos que incomodamos?
    Bom, não sou amante da Coca-Cola, consegui finamente me concentrar nos sucos hahaha
    Adorei o post!!!

    bjs.

    responder
    • Retipatia

      Oi Fernanda!
      Ah é mesmo um fato a se pensar a respeito, não é mesmo? Nem sempre as coisas são tão simples como aparentam, se encontrar resposta, me conta! ehehe Ah e me ensina a largar a Coca também! ahahah Feliz que tenha gostado!
      Obrigada pela visita!
      xoxo

      responder
  • Patricia Monteiro

    De um fato corriqueiro, realmente antipático, cria-se um conto com qualquer coisa de poético (gostei da mistura do glitter, com o cinza, a fumaça e a coca-cola), meio pop. Passagens aparentemente sem sentido podem sim fazer todo o sentido!
    Ah, adoro essa música da Paloma Faith, vire e mexe estou escutando

    responder
    • Retipatia

      Oi Patricia!
      Sim, adoro misturar as coisas cotidianas, elementos habituais e inconvenientes… fazem parte do dia a dia… Essa música da Paloma é uma delícia, gruda que nem chiclete na cabeça e às vezes ouço repetidamente… rsrsrs
      Obrigada pela visita! <3
      xoxo

      responder
  • Claudia

    Oi Rê
    Que delícia de crônica
    Respondo escutando Paloma Faith, que confesso não conhecia e agora me acompanha
    Que som gostoso! Combina com suas palavras
    Adorei 🙂
    Bjks mil

    responder
    • Retipatia

      Oi Claudia!
      Ah feliz que tenha gostado! E essa música da Paloma vale mesmo a pena conhecer, adoro a letra, a melodia, tudo tudo! Que bom que achou que combinou com o post! hehehe
      Obrigada pela visita! <3
      xoxo

      responder
  • Lunna

    Ah Renata… eu não tomo coca-cola, a única vez em que experimentei passei mal e tomei porque estava na casa de uma pessoa que não perguntou se eu queria, como todo mundo toma, eu deveria tomar também, trouxe o copo cheio. Eu bebi um gole e odiei aquele gosto de remédio gaseificado. Bebi o copo todo em gole grandes para acabar rapidamente. Foi um estrago. rs
    Enfim, quanto a sua narrativa, achei interessante os movimentos, as distrações e a maneira como seu olhar, de repente, captou algo. Adoro esses instantes em que tudo e nada se misturam e se somam em nós. Vivo isso o tempo todo. Até por isso adoro andar de ônibus pela cidade, me permite vigiar os lugares e captar algo inesperado.
    Me lembro que um professor chamava esses insights de gatilhos e eu, obviamente, imaginava uma arma pronta para disparar e não via o menor sentido nisso. Sempre acreditei que eu era mais atenta que as outras pessoas, fui treinada para não deixar perder os instantes. Minha mãe sempre dizia que nenhum momento é igual ao outro. Uma vez perdido….

    bacio

    responder
    • Retipatia

      ahaha Acho que me lembro de uma palavra ou duas sobre essa sua experiência. Particularmente, não é que eu ame o gosto, mas vou culpar a cafeína pela minha atual dependência… rsrsrs
      É engraçado como um momento tal rotineiro é captado de maneira diferente, com uma percepção mais aguçada que, de repente, fica necessário fazer registro, seja da forma (ou fôrma) que for.
      Ahah eu ri do gatilho, mas sempre que ouço alguém dizer essa palavra, com esse sentido, me vem a arma apontada, prestes a disparar uma bala de inspiração ou qualquer coisa que seja, vai saber… já não tento mais entender essas loucuras. Você foi é muito bem treinada e gosto demais dessa característica em você!
      Obrigada pela visita!
      xoxo

      responder
  • Luly Lage

    Eu, amante ÁVIDA de palavras alheias e Coca-Cola (e vestimentas cinza) e com minha forte antipatia ao cigarro, acho que essas palavras em específico fazem total sentido. Já consigo te visualizar esperando o sinal abrir, talvez até tendo acertado qual sinal era esse que te fez viver esse momentinho de inspiração.
    Sei lá.
    Gostei do texto. Às vezes tenho aquela sensação de que o sacolejar do ônibus é a maior fonte de inspiração que um escritor pode ter – sorte o lápis cor de rosa estar aí quando foi preciso!

    responder
    • Retipatia

      Oi Luly!
      ahaha A Coca e as palavras nos fascinam né!? Ainda que a primeira eu possa acusar o vício pela cafeína como desculpa! FEliz que tenha gostado do texto e conseguido imaginar a cena (tô imaginando qual sinal você imaginou e, provavelmente, acertou… ahahah)! Eu tenho muitos devaneios dentro do ônibus, é um sacolejar até positivo, sem dúvidas. <3
      Obrigada pela visita! <3
      xoxo

      responder
  • Juliana

    Adoro crônicas! Me encanta esse registro do cotidiano, do comum, vista pela forma particular de quem escreve o texto. Gosto ainda mais quando não “fazem sentido” porque isso permite que uma interpretação aberta, onde cada leitor vai dar um sentido diferente. Gostei muito do título e da foto e admito que, antes de começar a ler, tive a impressão que se trataria de um texto de terror. Fui agradavelmente surpreendida ao me deparar com a crônica.
    P.S. : eu não tomo refrigerantes, mas quando ainda tomava, já não era grande fã de coca cola! Quanto as palavras alheias que não fazem sentido algum, são sempre bem vindas!

    responder
    • Retipatia

      Oi Juliana!
      Também gosto quando os textos têm essa abertura quando os leitores podem fazer suas próprias interpretações, mesmo diante das visões que o autor coloca, querendo ou não, naquilo que cria. Acho que as crônicas têm muito disso, de permitir um olhar diferenciado sobre algo aparentemente rotineiro.
      Feliz que tenha tido uma surpresa agradável! <3
      ahaha Coca-Cola é aquela coisa, ame ou odeie... rsrsrs Mas estou bem no meio termo, posso culpar a cafeína por tudo... rsrsrs
      Obrigada pela visita!
      xoxo

      responder
  • Mari de Castro

    Oi, já faz algum tempo que não tomo Coca cola por opção mesmo, mas fumaça de cigarro nossa se tem algo que me irrita e deixa mal é quando surge um sujeito assim, fumando perto dos outros sem respeito algum. Quanto as palavras acho que de algum jeito elas sempre fazem sentido e amo narrativas de cotidiano ainda que sejam de fumaça Rsrs porque o que fica é sua capacidade de transformar algo cinzento em uma narrativa cheia de palavras que pra mim fizeram muito sentido. Adorei bjinhos

    responder
  • Amável Casa

    Oi, já faz algum tempo que não tomo Coca cola por opção mesmo, mas fumaça de cigarro nossa se tem algo que me irrita e deixa mal é quando surge um sujeito assim, fumando perto dos outros sem respeito algum. Quanto as palavras acho que de algum jeito elas sempre fazem sentido e amo narrativas de cotidiano ainda que sejam de fumaça Rsrs porque o que fica é sua capacidade de transformar algo cinzento em uma narrativa cheia de palavras que pra mim fizeram muito sentido. Adorei bjinhos

    responder
    • Retipatia

      Oie!
      Eu fiquei um bom tempo sem refrigerante, mas acabei voltando ao vício… ehehe E fumaça de cigarro é a pior coisa mesmo, eu não suporto de jeito nenhum. Fora os fumantes inconvenientes, que é o que mais tem nesse mundo.
      Feliz que tenha gostado do texto e obrigada pela visita! <3
      xoxo

      responder
  • Cilene Mansini

    Respondendo a sua pergunta, não sou muito fã de coca, prefiro água com gás, mas se só tiver coca mesmo, que seja zero com bastante limão e gelo.
    Mas olha, te invejei, saudades do sacolejar do ônibus quando eu tinha muito mais tempo para ler 🙂

    responder
    • Retipatia

      Oi Cilene!
      Acredita que eu não gosto de água com gás!? ehehe Em se tratando da Coca, eu não sou a mais apaixonada, o nome é vício em cafeína. E, como não bebo café, é minha única fonte atual… ehehe Só dispenso o limão, não sou fã de limão… ehehe
      E acho que o único benefício do sacolejar do ônibus é realmente ter um tempinho garantido para a leitura.
      Obrigada pela visita!
      xoxo

      responder
  • Isa Gomes

    Adorei esta crônica… consegui imaginar nitidamente toda a cena narrada, do começo ao fim. Simples e bela.
    Adoro quem consegue ver poesia em todas as coisas e consigo gostar mais do que de coca-cola. <3

    Beijos!

    responder
    • Retipatia

      Oi Isa!
      Ah feliz que tenha gostado e que ela tenha levado você a imaginar a cena e os gostos e gestos. <3 E mais feliz por achar alguma poesia no meio disso tudo! <3
      Obrigada pela visita!
      xoxo

      responder
  • Luana Souza

    Estava com saudades de ler seus textos, moça! Fico imaginando você num ônibus, pesando nos detalhes de como a história vai ficar. Também tenho a sensação de que todo mundo que escreve histórias ou contos sabe o que acontece depois que acaba o último parágrafo hehe.
    Achei legal ler um texto com fumaça, pois é algo que eu odeio e sempre fujo :p
    beijos, e espero mais textos seus por aqui *-*

    responder
    • Retipatia

      Oi Luh!
      Own que legal saber que sentia falta dos textos, eles andavam meio ausentes mesmo. É engraçado essa coisa de pensar no momento da escrita e o que vem depois do último ponto final, também me pego nesse pensamento… ehehe
      Também odeio fumaça, especialmente de cigarro.
      Obrigada pela visita!
      xoxo

      responder
  • Marcinha Nunes

    Eu não sou muito fã de refrigerante e o pior de todos na minha opinião é a Coca Cola. Coca Cola é um veneno assim como o cigarro imagino que essa mistura tenha um efeito horrível no sistema digestivo desse cidadão

    responder
    • Retipatia

      Oi Marcinha!
      Com certeza a Coca não é uma boa aliada para a saúde, como qualquer refrigerante, mas, às vezes, a gente bebe é pelo benefício que faz na alma mesmo. 😉 Talvez o cigarro, apesar de prejudicial, sirva para o mesmo escape, difícil saber, né!?
      Obrigada pela visita!
      xoxo

      responder
  • Monique Dieli Chiarentin

    Passo duas horas indo e duas horas voltando da faculdade quase todos os dias e são horários onde fico pensando na vida, além de ouvir minhas músicas favoritas! Por mais que seja chato e cansativo esse trajeto, eu aprendi a gostar e fazer dos meus pensamentos minha melhor companhia!

    Amei seu texto e achei lindo o modo como você descreveu seus pensamentos e o que você observou enquanto esperava o ônibus!

    Amei seu post <3

    Beijos
    invernode1996.blogspot.com.br

    responder
    • Retipatia

      Oi Monique!
      Ah com certeza é um tempo que poderia se resumir em cansaço e chatice pela demora, mas se bem aproveitado, pode se tornar um dos momentos prazerosos do dia!
      Feliz que tenha gostado do texto e do modo da escrita! <3
      Obrigada pela visita!
      xoxo

      responder
  • Tatiane Silva

    Gostei desse olhar do cotidiano descrito em palavras , um estranho, um cigarro e uma coca cola , cenas do dia a dia que as vezes nem percebemos que acontece ao nosso lado.

    responder
    • Retipatia

      Oi Tatiane!
      Own feliz que tenha curtido, é uma crônica bem nessa vibe de detalhes que geralmente passar despercebidos mesmo! 🙂
      Obrigada pela visita!
      xoxo

      responder