Quando você pensa na origem da sexta-feira 13 é bem provável que o tema não venha acompanhado da ideia de apagamento do feminino.
Na minha cabeça, a primeira referência é sobre azar. Um dia de azar que rendeu tanto que tem até clássico de terror slasher chamado Sexta-Feira Treze. Em resumo, para quem não conhece, o enredo segue o básico do gênero: um assassino serial brutal e implacável perseguindo um grupo de jovens. Tudo sempre acaba em muitos membros decepados e sangue jorrando.
Seja como for, a verdade é que, tanto o número 13 como a própria sexta-feira carregam consigo a ideia de azar e, unindo os dois, temos esse clássico dia da semana azarento.
Dia 13: as origens do azar
Quando o assunto é o número 13, nós voltamos no tempo e encontramos referências na mitologia nórdica. Charles Panati (ex-professor universitário, físico industrial, autor e editor de ciências da Newsweek), tece a ideia a partir de um banquete em Valhalla. Quando Loki, o Deus da Trapaça, apareceu sem ser convidado e enganou o deus cego Hodr, fazendo com que ele atirasse com uma flecha com ponta de visco em seu irmão Balder, que morreu instantaneamente. Mas onde entra o número 13: o banquete reunia 12 pessoas, Loki era 13º .
Panati ainda traz outras referências acerca do dia 13: na Escandinávia, o numeral se tornou amaldiçoado e, amplamente divulgado pelo sul da Europa no começo da era cristã, por causa de um evento bem marcante: a Última Ceia. O fato de que o 13º apóstolo a chegar era ninguém menos que o traidor Judas Iscariotes, não passou batido. Coincidência com o banquete em Valhalla? Quem vai saber.
Mas, somado a isso, vale lembrar que Jesus foi crucificado numa sexta-feira, daí veio a Sexta-feira Santa ou Sexta-Feira da Paixão.
Sexta-Feira: as origens do azar
E já que estamos falando agora da sexta-feira, vale lembrar que, na Bíblia, a data aparece também em outros momentos de penúria, como no dia em que Adão e Eva comeram o fruto proibido da Árvore do Conhecimento; o dia em que o Templo de Salomão fora derrubado e também, coincide com a data em que Caim assassinou Abel. Ah e faltou mencionar que é também a data do Grande Dilúvio, em que Noé zarpou com a Arca. Deixei algum de fora?
Sexa-feira 13: unidas no azar
Conforme avançamos no tempo, eis que surge, segundo Steve Roud, a afirmação de que a combinação de sexta-feira e o dia 13 foi uma invenção da era vitoriana. (Steve Roud é criador do Roud Folk Song Index e especialista em folclore e superstição).
Mais um pequeno salto de tempo até o começo do século XX com uma obra, não muito conhecida hoje no Brasil, ajudando a sedimentar a ideia: Friday, the Thirteenth (Sexta-feira, o 13º). Só para ilustrar, a obra de autoria de Thomas W. Lawson contava a história de um corretor sem escrúpulos que se aproveitava das superstições da data para quebrar o mercado de ações.
Eventualmente chegamos a nostálgica década de 1980 e estreava a já citada franquia de filmes de terror Sexta-Feira 13 (Friday the 13th). Sucesso desde o lançamento, a franquia garantiu muitas continuações, bem como remakes e versões contando a história de Jason Voorhees.
A essa altura a sexta-feira 13 já carregava em si muita história, mas logo no começo dos anos 2000 há outro ponto que vale ser lembrado: o lançamento do livro O Código Da Vinci, de Dan Brown, que perpetuou a ideia equivocada de que a superstição se originou por causa das prisões dos Cavaleiros Templários, que ocorreu em 13 de outubro de 1307 (é, pode checar, foi numa sexta-feira).
Sexta-Feira 13: a invenção cristã do azar
Pensando nessas histórias e acontecimentos, é fácil pensar que, realmente, a sexta-feira 13 deve carregar em si uma aura de horror. Contudo, os estudos também demonstram que, tanto o dia da semana como a data do dia 13 podem ter outras associações como a de boa sorte.
A palavra sexta-feira, em inglês, Friday, vem do alemão antigo Fria (deusa do amor) + daeg que significa dia, numa adaptação do latim dies veneris (dia de Vênus). Fria, também conhecida como Frigg ou Frigga, é a deusa da fertilidade, amor e união, na mitologia nórdica. Bem como a imagem de Vênus, na mitologia romana e Afrofite, na mitologia grega. Por consequência, os nórdicos e os teutônicos consideravam que a sexta-feira era um dia de boa sorte e muito propício para casamentos.
Quando o assunto é o número 13, nas culturas pagãs que também adoravam a essas deusas, realizava-se sua conexão com os ciclos lunares e menstruais. Como a fertilidade era extremamente valorizada, a arte desse período, por exemplo, reflete muito os temas de menstruação, fertilidade e as fases da lua.
Essa visão foi alterada quando o cristianismo ganhou força na Idade Média, colocando em xeque as tradições pagãs e, com isso, a adoração do feminino (e do sexo, da fertilidade, da magia e do prazer. Nasceram muitos tabus do mundo de hoje nessa empreitada também). Nessa mesma ideia, veio a caça às bruxas, que colocou, em especial, as mulheres que adoravam outras ou múltiplas divindades como bruxas.
Então, como a origem da Sexta-Feira 13 se relaciona ao apagamento do feminino?
Quando olhamos para trás e percebemos a estratégia do catolicismo para rechaçar as ideias que não entravam no padrão que queriam estabelecer, nós conseguimos ver como a ideia de bruxa, bruxaria, do feminino, da feminilidade, do poder e da força feminina e até mesmo da menstruação e do prazer e do sexo, foram sendo apagados paulatinamente. Ou melhor, não apagados, mas endemonizados.
Assim, a questão não é que a origem da sexta-feira 13, por si só, trouxe um apagamento do feminino. Mas sim que sua origem, na história do cristianismo, tanto quanto nas questões correlatas que fizeram a superstição ganhar força, segue de mãos dadas com as ações tomadas para o apagamento do poderio das divindades femininas e, em consequência, do feminino. E, obviamente, da mulher.
Ainda que possa parecer um tanto quanto genérico, as raízes são profundas. A maioria das superstições, quando comparadas, como afirma Steve Roud, “são baseadas em um pequeno número de princípios que são repetidos várias vezes em diferentes formas, e as fórmulas podem nos dizer muito.”*
Nesse sentido, tivemos uma série de eventos, tanto nas representações cristãs quanto mitológicas, sendo elevadas pela cultura (literatura, cinema), que colaboram para sedimentar a ideia da sexta-feira 13 como um dia azarado.
Mas, por debaixo dessa ideia, o que podemos refletir é: o que realmente se queria banir a partir dessas questões? As antigas divindades, os antigos hábitos, crenças, conceitos e costumes. E como isso foi feito? Descaracterizando a realidade dessas crenças e transformando-as em algo ruim.
O reflexo disso não é apenas um dia do mês que, somado à sexta-feira se tornou uma superstição popular. Pelo contrário, o principal aspecto é sobre os reflexos que esse apagamento trouxe para as mulheres, para o seu corpo, mente, liberdade e voz.
O azar, o feminino e a Sexta-Feira 13: realizando conexões
A conexão desse tema me veio à mente quando, na véspera da sexta-feira 13, estava começando a leitura de A Dama e a Criatura, livro que narra a história de Milicent Patrick, artista que trabalhou na Universal Studios na década de 1950 e que foi a primeira mulher a ser a responsável pelo desing de um monstro para um longa-metragem. Na época, o estúdio já era famoso pelas criaturas de filmes como Drácula, a Múmia, o Lobisomem e o Monstro de Frankenstein. No longa, que chegou ao Brasil como O Monstro da Lagoa Negra, houve um porém: Milicent Patrick não foi creditada por sua criação.
Década de 1950. Nós já estamos bem mais de 500 anos depois do fim da Idade Média, mas o movimento de apagamento do feminino ainda surte grandes efeitos. Ressoa até os dias de hoje e envolve uma miríade de questões estruturais que seria impossível enumerá-las em um único texto. O que aconteceu com Milicent, não era sobre um estúdio descreditando um artista, mas sobre um processo de apagamento do feminino, bem mais complexo, que começou bem antes.
Enquanto a figura da bruxa, da endomoniada, era detestável, repudiada, é claro que a associação de uma mulher à criação do grotesco, do feio, do terror, do horror, também não era desejada. Afinal, o ideal feminino passou a não mais poder se vincular a nada disso, nada natural ou mágico, quem dirá com a ideia de gostar de monstros. O próprio sentido do que é ser feminina, se alterou, se tornou ser dócil, gentil e prestativa. Delicada, paciente, subserviente. O que bate de frente com a ideia do feminino sagrado, divino, que sangra, que é múltiplo e natural.
Concluindo o pensamento, começando o questionamento
Quando analisamos com olhar mais apurado a origem da sexta-feira 13, entendemos como, durante seu surgimento, é notável o processo de apagamento do feminino, a partir das crenças cristãs. Entender o passado é um passo importante, porque desmitifica ideias inadequadas e traz luz às problemáticas atuais. Ainda que essa história surja a partir de superstições, ela pode nos revelar muitas verdades.
Mas que fique o aviso: nós, nossa bruxaria, nosso terror, nossas criaturas e monstros, nossa magia e ciclos, nos pertencem e nunca mais serão apagados. Tampouco, nossos nomes da história.
Desejo a você uma ótima Sexta-Feira 13!
Referências
Apesar de não ser relacionado exatamente à questão cinematográfica, uma dica é conhecer Mulher, roupa e trabalho, porque fala muito sobre o papel da mulher e como isso afetou sua imagem e vestuário ao longo do tempo. Outra dica cinematográfica que inclui menção à Noite dos Mortos-Vivos é esse post que fala da adaptação do clássico para HQ e faz menção à Horror Noire. E tem post sobre o livro e o próprio filme, A Noite dos Mortos-Vivos, aqui!
* No original: “when we compared a whole mass of reported superstitions was that most are based on a small number of principles which are repeated time and time again in different guises, and the formulae can tell us a great deal.“
Why is Friday the 13th unlucky? The cultural origins of an enduring superstition – CNN Style
Sexta-feira 13 traz má sorte? Entenda as origens culturais da superstição | CNN Brasil
Very superstitious | Books | The Guardian
Origem da palavra “Friday” • HR Idiomas
Calendário 1307 – SuperCalendário
Previsões e um ritual poderoso para fazer nesta sexta-feira 13 | Capricho