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Mulher, Roupa, Trabalho: como se veste a desigualdade de gênero ♥ Mayra Cotta & Thais Farage

Resenha do livro Mulher, roupa, trabalho: como se veste a desigualdade de gênero, por Mayra Cotta e Thais Farage.

Quando peguei mulher, roupa, trabalho: como se veste a desigualdade de gênero em mãos já imaginei que seria uma boa leitura, mas não imaginei toda a potência que poderia caber nas suas poucas 200 páginas. Uma leitura reflexiva, imersiva e, especialmente, que funciona como o abrir de uma porta para conhecer e aprender mais sobre a relação da mulher com o vestuário, suas raízes e, especialmente, diante da desigualdade de gênero.

A mulher no trabalho parece representar um convite aberto para julgamentos, sendo que a roupa é parte fundamental nessa equação do desconforto. Vestir-se para ir trabalhar passa a ser, então, um esforço recorrente para que o foco esteja no trabalho, na nossa competência, nas atividades desempenhadas, e não no que vestimos.

Da Introdução até os temas abordados capítulo a capítulo, a forma direta, acessível e no tom de conversa nos apresenta uma gama de assuntos.

Assim, a cada parágrafo, a cada texto em destaque, começamos a entender a origem da relação entre machismo, patriarcado e o sistema de opressão, tanto quanto o reflexo deles em nosso vestuário. Quer dizer, não é que não saibamos o peso que o que vestimos tem, enquanto mulher, no nosso ambiente de trabalho. A questão são as bases que consolidaram essa estrutura e conseguir enxergar tudo que a mantém nos dias de hoje.

Temas abordados de maneira inclusiva

De modo coerente e que nos faz pensar na nossa própria experiência no mundo do trabalho, as autoras desbravam assuntos que podem parecer espinhosos aos olhos mais leigos. Mas já adianto, elas tiram de letra.

Os temas são apresentados de maneira inclusiva, o que é também essencial para uma visão crítica e realista. A mulher negra, por exemplo, está inserida há muito mais tempo que a mulher branca no mercado de trabalho e suas conquistas não são igualitárias. Do mesmo modo, as mulheres trans e lgbtquia+, inseridas no mercado contam com outros percalços para lidar com o machismo e o patriarcado que envolvem sua vestimenta e a mensagem que o mundo espera delas.

Interligando ainda questões como assédio sexual, maternidade e estilo, até aspectos culturais que envolvem a estrutura racista, homofóbica e machista da sociedade, a história contada em mulher, roupa, trabalho se desbrava nos mostrando as dificuldades visíveis e invisíveis que a mulher sofre nesse processo de se vestir. Isso porque o ambiente de trabalho, em especial, desde muito tempo, é visto como um ambiente masculino e os ideais impostos são, obviamente, os masculinos.

O necessário espaço da mulher (e não espaço feminino)

Muito para além da ideia da mulher alcançar o lugar do homem no local de trabalho: ela nunca ocupará esse lugar. E assim, a ideia do livro pode soar um tanto quanto desesperadora, já que parece que temos uma realidade intransponível.

O terno é uma alegoria-chave dessa problemática: não há uma peça no guarda-roupa feminino que imprima tanta força e poder, há tantos anos e em tantos ambientes diferentes, quanto o terno. […] Enquanto para os homens a unanimidade dessa vestimenta lhes garante o privilégio de ocupar os espaços públicos como se fossem exclusivamente deles, as mulheres precisam inventar a própria armadura e escrever os próprios códigos quase que diariamente.

Mas a verdade é que o caminho apontado por Cotta e Farage é bem mais como a criação de um espaço da mulher. Não no sentido de precisar de algo feminino, mas para que o padrão não seja o imposto nos dias de hoje: o padrão masculino. Lembrando inclusive da necessidade de desvincular a ideia de feminino como algo próprio/inato às mulheres. Em termos ideais, reconhecer que o próprio conceito de ter um padrão é problemático e precisa ser revisto, repensado e transformado.

As experiências: das autoras, dos casos narrados e os nossos

Para além das nossas experiências, o livro nos narra desde experiências das próprias autoras, como casos que serviram de base de estudo para a obra. Ao mesmo tempo, a realidade destacada no livro não se expressa apenas assim. São citadas também mulheres como Joana D’arc e Maria Antonieta, tanto quanto mulheres que tiveram seus nomes gravados na história de um modo pouco gentil, como Monica Lewinsky.

Dessa maneira, é impossível adentrar as páginas e não se lembrar de, quem sabe, uma entrevista ou um ambiente de trabalho pelo qual já passamos. É impossível ler e não se perguntar porque tanto é imposto e exigido das mulheres, enquanto tão pouco dos homens. Com o válido lembrete de que essa cobrança vem com suas camadas de diferenciação para mulheres brancas, negras, amarelas, cis e hétero, por exemplo.

Não são as diferenças naturais que determinam as assimetrias sociais entre homens e mulheres; ao contrário, são as diferenças socialmente construídas que acabam por naturalizar as assimetrias entre os gêneros.

Sobre o que realmente constitui mulher, roupa, trabalho

O livro garante uma leitura rápida mas que, como pretendiam as autoras, não se encerra nas últimas páginas. O que nos é apresentado em mulher, roupa, trabalho é como uma introdução ao tema, em especial para quem não tem conhecimentos aprofundados na temática. Uma introdução para lá de necessária para entendermos as pressões as quais estamos inseridas e compreender as formas para trabalharmos na sua desconstrução.

Quando a sinopse do livro indica que este não é mais um livro de estilo, você pode acreditar. Estilo aqui não é sobre o melhor caimento, o que funciona ou não para você. Estilo aqui é conseguir se posicionar, de maneira que reflita quem você é e quais ideais defende, quais mudanças deseja, através do seu guarda-roupa. Porque, como as autoras destacam, o problema é “histórico, social e cultural de gênero”, e precisamos começar a ver as roupas e o vestir como o instrumento político, social e cultural que elas verdadeiramente são.

Uma leitura muito recomendada, especialmente se você, como eu, se interessa por feminismo inserido nos mais diversos campos da nossa vida, aqui, no vestuário. Acredito que é importante ler temas fora do nosso espaço habitual de procura para compreender mais a sociedade, o outro e a nós mesmos. Especialmente quando temos um patriarcado para subverter!

Aleatoriedades

Mulher, roupa, trabalho foi recebido em parceria do Time de Leitores da Companhia das Letras.

Dicas de leitura: Amigas que se encontraram na história de Angélica Kalil & Mariamma Fonseca e Pós-F de Fernanda Young

Para assistir: o curta Purl no Disney Plus

xoxo

Retipatia

Mulher, Roupa, Trabalho

como se veste a desigualdade de gênero

 

Autoria:
Mayra Cotta & Thais Farage

Gênero:
Não ficção | Feminismo | Moda | Ciências Sociais

ISBN:
9788584392209

Editora:
Paralela

Ano de lançamento:
2021

Páginas (nº):
228
Este não é mais um livro de estilo. Nestas páginas, a consultora de moda Thais Farage e a advogada Mayra Cotta investigam a relação da mulher com a roupa de trabalho e o que há por trás das escolhas diárias que fazemos diante do espelho.
“Será que esse vestido me deixa velha?”, “Essa camisa me faz parecer séria demais?”, “Essa blusa é muito estampada?”, “Ainda tenho idade para usar esse tipo de saia?”. Quem é mulher sabe que, apesar de rotineira, arrumar-se para o trabalho não é tarefa fácil. Não importa o que vestimos, a roupa feminina é sempre avaliada, comentada e criticada por todo mundo, e o resultado é que quase nunca sentimos que nossas peças são apropriadas para a situação. Mas por que nossa relação com a roupa de trabalho é tão complicada? De onde vêm tantas questões que parecem nem existir para o gênero masculino?
Foi com isso em mente que Mayra Cotta e Thais Farage escreveram Mulher, roupa, trabalho, um livro que repensa a moda a partir de suas raízes políticas e questiona a política a partir da moda, tendo como base a roupa das mulheres no espaço de trabalho. O objetivo aqui é questionar as estruturas engessadas que determinam o que devemos ou não vestir para trabalhar e tentar subvertê-las. Só assim poderemos nos divertir mais com os looks e nos preocupar menos em nos espremer para caber neles.
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