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Pós-F ♥ Fernanda Young

Resenha de Pós-F de Fernanda Young, não ficção da autora publicada pela Leya em 2018.

Pós-F de Fernanda Young é um relato sobre ser mulher. Ser mulher nesse mundo. A primeira não ficção da escritora foi publicado pela Leya em 2018 e faz parte do legado que a multifacetada Young deixou ao mundo após seu falecimento prematuro em 25 de agosto de 2019.

Pós-F: para além do masculino e do feminino
Fernanda Young
2018 | 128 páginas
Editora Leya
Disponível em Amazon
Sobre Fernanda Young

Roteirista e escritora, Fernanda Young lançou, em 1996, seu primeiro livro, intitulado Vergonha dos pés. Caso raro no mercado editorial, Young publicou 11 livros, dentre os quais os best-sellers Aritmética e Efeito urano, um livro de poesia, Dores do amor romântico, e novas experiências narrativas, como A louca debaixo do branco, o qual ganhou prêmio Jabuti de melhor projeto gráfico por Edu Hirama. Faleceu em 25 de agosto de 2019, após complicações de uma crise de asma.

Sinopse de Pós-F

Em sua primeira obra de não ficção, Fernanda Young se insere no acalorado debate sobre o que significa ser homem e ser mulher hoje. Em textos autobiográficos, ela se revela como uma das tantas personagens femininas às quais deu voz, sempre independentes e a quem a inadequação é um sentimento intrínseco. E esse constante deslocamento faz com que Fernanda seja capaz de observar o feminino e o masculino em todas as suas potencialidades.

É daí que surge o Pós-F., pós-feminismo e pós-Fernanda, um relato sincero sobre uma existência livre de estigmas calcada na sobrevivência definitiva do amor, no respeito inquestionável ao outro e na sustentação do próprio desejo.

Assim, em Pós-F: Para além do masculino e do feminino, que é ilustrado com desenhos da autora, Fernanda Young vasculha internamente vivências e sentimentos para oferecer aos leitores sua visão de mundo.

Resenha de Pós-F de Fernanda Young, não ficção da autora publicada pela Leya em 2018.
Pós-F: para além do masculino e feminino

Falar de Pós-F é falar de Fernanda Young e do que é viver. E, ao mesmo tempo, falar de tudo e quase nada. Tudo, pensando que cada tópico levantado pela autora é digno de debate, de reflexão, de colocar a cara a tapa para assumir algumas verdades e preconceitos. Nada, porque, não interessa, algum dia talvez o tudo seja desconstruído, ou ainda, porque o tudo que ela aborda não seja suficiente para esgotar os temas que suas vivências consideraram como críticos nos dias atuais.

Não que autora deseje dar lições de moral, ou ser expert em qualquer um dos assuntos que aborda. De cara ela já diz que não é especialista em nada. E, livre dessa necessidade, explora os recônditos do que é ser mulher, do que é ser homem nos dias de hoje. Do outro, como ela ressalta, dos limites, padrões e regras que a sociedade começa a se impor e a cobrar.

“No meu braço esquerdo tenho tatuado o verso de Madonna: “Do you know what it feels like in this world for a girl?” (Você sabe como se sente uma garota neste mundo?) Essa é a pergunta que ecoa desde que a tatuei, há muitos anos. Eu sei como me sinto. E, aqui, conto um pouco.”

Em uma edição que combina ilustrações, feitas pela própria Fernanda Young, trechos de conversas, cartas escritas e textos que dialogam com o leitor, Pós-F, vem, de maneira irreverente, tentar mostrar verdades nuas e cruas das vivências. Das vivências de Fernanda, em especial, mas que casam perfeitamente com a minha ou a sua. Com a de qualquer leitor.

A brincadeira do título, Pós-F, F de Fernanda, F de Feminismo. Esse, rende. Porque a própria autora não se assumia como feminista por grande tempo. Dizia que não era algo dela e, ao mesmo tempo, deixa claro que não busca o feminismo que está estampado em muitas camisetas do mundo afora.

“[…] ainda criança detectei o que queria mais do que tudo: ser livre. Livre da opinião dos outros, do que a sociedade iria pensar, do que um marido iria exigir, da opressão de ter que fingir amar a vida doméstica – odeio -, de ter que ir a reunião de pais, de condomínio, de ser obrigada a votar, de não poder xingar, trepar, errar, beber. Livre de qualquer coisa que me tirasse de mim. E esse sonho se realizou. Pode ter certeza que, de onde eu vim, ser livre era tão improvável quanto ser astronauta da Nasa.”

E, dizendo isso, lembra do papel de inclusão, de ensinar que o feminismo deve ter. De incluir aqueles que oprimem para que não mais o façam. Muito mais do que apenas os homens que exercem seu lugar-comum de atitudes confortáveis e desconfortáveis, a cobrança que os impera e o viés tóxico que também as mulheres podem atuar. Papel que não é lembrado com frequência e gera uma fragmentação e maior alimento do seu extremo oposto: o machismo.

Pode parecer estranha essa dicotomia, mas depois de dias de finalizada leitura, chego ao mesmo ponto da autora. E, ao mesmo tempo, me recordo das palavras de Chimamanda Ngozi Adichie em seu discurso intitulado Sejamos Todos Feministas (leia mais sobre o discurso aqui), sobre os estereótipos que limitam o termo feminista e feminismo, assim como a colocação de que, tanto mulheres quanto homens podem (e devem) ser feministas. Sem dúvidas este não é um assunto fácil de lidar, de dialogar, Young sabe disso, mas o faz sem papas na língua (ou no texto).

“Vejam bem, não estou propondo diminuir as necessidades de manifestos feministas nem a urgência de muitas causas que por eles são defendidas. Muitas dificuldades e circunstâncias injustas da sociedade contemporânea têm um histórico sexista e reconheço que o discurso feminista é por demais verdadeiro, sofisticado, necessário. Mas o fato é: neste momento, ninguém está pensando no homem. Por isso que todo o discurso pode vir a ser tenebroso, porque nele uma bipolaridade está intrínseca quando, na verdade, somos todos potencialidade pura – e temos total liberdade sexual. Podemos estar numa hora de um lado e, no momento seguinte, do outro. Por isso, precisamos de um discurso diferente, um discurso que seja sensível a essa potencialidade, e que acolha os dois gêneros.”

Esse não é o único ponto que a autora aborda no livro. Ela fala sobre sexualidade feminina, sobre assédio. Em como vários temas ainda são tabus e precisam ser debatidos. Ela fala dos extremos, de como uma ideia para determinadas ações tem sido alargada de maneira a caber tudo que incomoda. Tudo que, especialmente, incomoda no outro.

E é bom lembrar que boa parte do que incomoda tem viés cultural e este, não se muda do dia para noite. Para mudar a cultura é preciso agir no comportamento e, para isso, é preciso instituir lições que se adequem ao dia a dia das pessoas. Sem dúvidas uma jornada complicada e longa, mas lutada diariamente e possível de se obter êxito.

“Acho que devo retificar a informação de que não me arrependo de nada: gostaria de não ter vivido algumas coisas. Talvez, talvez, eu apenas quisesse ter feito outros caminhos, só para comprovar que não é necessária a dor para se alcançar algo. Não suporto quando dizem que eu não seria quem sou se não tivesse sofrido. Penso que esse discurso é grosseiro. E se me ocupo em instigar artes das pessoas, devo defender que qualquer estereótipo para o artista é uma burrice. Caso eu consiga ajudar uma pessoa, fazê-la crer que irá conseguir, ao menos poderei aceitar que não foi em vão.”

O papel da mulher na sociedade, assim como o respeito ao outro, que acaba reverberando em todas as páginas do texto, é explicitado através da liberdade que a própria autora possui como mulher que se reinventa, que renasce a cada ciclo e que sabe que toda essa desconstrução e reconstrução são necessárias. Ela não quer papel x ou y, como diria, prefere morrer a ser dona de casa. Porque sabe de si, de seus limites e do que suporta. E, especialmente, do que não suporta.

A autora ainda nos presenteia, entre capítulos, com cartas aos mais interessantes destinatários: ‘a quem não nos enxerga‘, ‘aos vendedores de ilusão‘, ‘à bunda‘, ‘ao pequeno sabotador interno‘… diálogos para lá de identificáveis com quem lê. Medos e aflições comuns ao ser humano que habita o mundo de hoje e o mundo de alguns anos atrás (não duvido que daqui a alguns anos à frente, também).

“Esses conflitos todos da luta dos sexos, esses conflitos da luta entre homem e mulher, ainda sim poderiam ser evitados se tivéssemos uma consciência muito mais sofisticada, tanto da psicanálise quanto espiritual. Não por meio do que pregam as religiões, mas da noção de que somos de fato todos iguais. Porque somos manifestações únicas de um jogo lindo de consciência, quer você chame de Deus ou não. Mas isso não interessa. Não seria rentável pensar assim. E tudo o que não interessa é o tempo inteiro descartado ou considerado balela. E os discursos que são muito mais lucrativos e que são considerados mais interessantes, eles surgem e sempre apresentam uma grande briga, seja entre os sexos, ou mesmo entre religiões.”

Pós-F foi meu primeiro contato com a escrita de Fernanda Young e suscitou a necessidade de conhecer suas outras obras, para ler-te em versão não autobiográfica. E, apesar da redundância, não poderia terminar o livro sem desejar o Pós-F, o mundo Pós-Feminismo, em que qualquer ação como essa já não seja necessária. Que o respeito ao outro perpetue, independentemente de qualquer coisa.

Aleatoriedades

Que a Força esteja com você!

xoxo

Retipatia
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  • beatriz jordao

    adorei essa estampa estrelada, é uma blusa? achei que super combinou com a capa do livro!

    responder
  • Vazio Na Flor

    Suas fotos são de uma beleza que oh, sempre vou fazer questão de elogiar!!!! Engraçado e triste ler uma resenha assim. Fernanda era ao mesmo tempo, uma mulher tão a frente de seu tempo e tão perdida, que a gente se perde em seus rabiscos.
    Ela se foi cedo demais, tinha tanto a se descobrir e com isso, descobrir um mundo inteiro.
    Não era uma femininsta, era uma mulher, apenas isso.
    Preciso muito desse livro em mãos!!!!
    Beijo

    Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na Flor

    responder