No quarto volume da graphic novel de Dylan Dog: Mater Morbi temos uma figura um tanto quanto enigmática e cruel que se apresenta sob o nome de mãe das doenças. O detetive agora está diante de uma batalha que só pode lutar sozinho, uma batalha travada à beira do precipício da morte.
Dylan Dog: Mater Morbi – Graphic Novel Volume 4
Criado por Tiziano Sclavi
Roberto Recchioni & Massimo Carnevale
Tradução Júlio Shneider
Mythos Editora | 2021 | 108p.
Disponível em Amazon
“Sou a mãe de todas as doenças… sou a prensa que aperta seus ossos, a febre que o faz tremer, a dor que o dobra… aquela matéria obscura que cresce dentro de você! Sou o seu corpo que enlouquece, sou o delírio, o desespero e a loucura… então, quando tudo estiver consumado, eu serei o seu fim”
Sinopse de Dylan Dog: Mater Morbi
Levado com urgência ao hospital devido a um mal-estar súbito, para Dylan Dog começa um calvário sem fim na doença que o tortura e o consome dia após dia, sem que ninguém possa fazer nada para salvá-lo. A única saída parece ser a de enfrentar a criatura que o está matando, atingindo-a no coração do sofrimento. Um lugar que se localiza a um passo da morte.
Dylan Dog: Mater Morbi
O detetive Dylan Dog está numa situação que nunca se imaginou: encerrado em uma cama de hospital, sem que ninguém possa ajudá-lo de verdade. A batalha que ele agora está travando não é nenhuma que se relacione com seu habitual trabalho, ou talvez até seja um pouco, mas é uma luta que nem mesmo seu parceiro poderá ajudar. Isso porque Dylan está enfrentando ninguém menos que Mater Morbi, a mãe de todas as doenças.
“O que é que nos mata? O tempo passado ou o trajeto percorrido?”
Devo avisar a qualquer fã de Dylan Dog que esse é a primeira história que leio do detetive dos pesadelos, e que, além de ter sido uma experiência única e incrível, me deixou curiosa para ler e conhecer mais do universo criado por Tiziano Sclavi. Dito isso, vamos a história…
“A identidade é a primeira coisa que ela tira… depois, a dignidade e, no fim, a própria vida!”
A história de Dylan Dog: Mater Morbi pode ser resumida em Dylan fica doente e precisa lutar por sua vida. Mas a questão é que a história que a graphic novel nos traz vai bem além disso. Ela não se encerra em cenas visuais com uma representação um tanto quanto duvidosa de Mater Morbi, a história vai falar sobre a relação médico-paciente, vai falar, especialmente, sobre as marcas e dores que a doença traz consigo.
“Em medicina, ter uma doença rara significa ser disputado pra ser estudado pelos médicos, porque pode surgir algum progresso importante nas pesquisas… e alguma honraria no ambiente científico! Mas se a doença é única, a cura só traz benefício ao paciente e o caso não é útil pra mais ninguém!”
E claro que, para mostrar tudo isso, ela se vale de um roteiro bem construído e, ao mesmo tempo, de cenas fortes de tortura, morte, descaso, sofrimento e perda. Aqui, a mãe de todas as doenças não vai apenas representar os infortúnios que um paciente precisa enfrentar. Aqui a roupagem que ela ganha é cheia de significados e até mesmo a beleza, a sedução, o fascínio que a doença é capaz de carregar consigo.
“O hospital é o lugar que a gente se sente mais só no mundo. Não importa quanta gente possa vir fazer companhia e dar apoio… a distância entre sãos e doentes é um espaço infinito que nem o amor pode preencher.”
Inclusive a questão da roupagem da personagem e não falo meramente em termos de vestimenta, é algo que me fez pensar bastante durante a história. Mater Morbi é uma mulher sexy, com roupas mínimas no melhor estilo sadomasoquista. Em resumo, ela é um estereótipo ambulante, ainda que carregue uma cicatriz aqui e outra ali. ou talvez também por elas. Digamos que todo o foco foi para a parte da sedução da doença, enquanto outros aspectos que poderiam ser demonstrados em sua imagem, ficaram completamente de lado.
“A doença tira o doente da convivência humana. E, por mais que ele seja amado por amigos e parentes, na parte mais ancestral do cérebro deles sempre haverá um homem nas cavernas ansioso para se afastar do animal infectado.”
E é interessante que a figura da Mater Morbi foi ponto de discussão entre roteirista e desenhista. Em um texto de Júlio Schneider, no fim da graphic novel, é destacada a divergência:
“Recchioni (roteirista) queria uma imagem alegórica da doença, ‘sensualmente clássica na forma, com poucos elementos a indicar sua natureza monstruosa’, e Carnevale (desenhista) pensou num físico debilitado, uma ‘representação doente da doença, sofrida, sem cabelos, ao mesmo tempo sensual e usando espartilhos, algo tipo Rainha Borg’, para intrigar o leitor com a imagem de Dyl beijando uma personagem assim. Prevaleceu a ideia do roteirista, se bem que mais tarde Recchioni afirmou que talvez o desenhista estivesse certo, já que alguns leitores ‘não entenderam que Mater Mrbi foi apresentada como uma bela mulher para delinear o fascínio persuasivo da doença, e só a viram como uma gostosa sadomaso’.”.
Ainda que seja compreensível a ideia, não dá para deixar de se perguntar porque esse padrão estético deveria representar esse fascínio persuasivo da doença, como Recchioni coloca. Mas acho bom dizer que esse tópico não estragou a leitura, foi uma percepção que fui tomando a medida que lia a história, que entrava na mente de Dylan Dog e via a realidade transcrita de modo brilhante na ficção.
“Aqui, ouvir os medos dos pacientes é secundário… só o que conta é curar!”
E talvez, especialmente pela batalha vivida ser tão ficcionalmente realista, acredito que seja o motivo que a figura estereotipada de Mater Morbi incomode. Mas não aquele incômodo bom e necessário para nos fazer refletir e sair do status quo, mas um incômodo proporcionado exatamente pela figura ser uma espécie de versão feminina feita sob medida dos padrões estéticos.
E claro, como eu destaquei, a história traz pontos valiosos para o debate na cena da mãe das doenças, não apenas quanto ao que já mencionei sobre a relação médico-paciente, mas também com os reflexos da doença para além da dor torturante, como a perda da identidade e os abalos emocionais que vem no pacote.
“O doente é um vampiro sedento de vida, e pouco importa quantas lágrimas sejam vertidas por ele… nunca serão suficientes para aplacar a sua sede!”
Sem dúvidas uma história intrigante, sombria, angustiante e muito verdadeira. Uma leitura mais que recomendada para os já fãs de quadrinhos e para aqueles que querem viajar e conhecer mais sobre ela, a Mater Morbi.
Aleatoriedades
A graphic novel Dylan Dog: Mater Morbi foi recebida em parceria com a Mythos Editora.
As dicas de leitura da vez são: A Noite dos Mortos-Vivos, Oblivion Song, Biblioteca Gaiman e Family Tree.
Que a Força esteja com vocês!
xoxo