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Family Tree ♥ Jeff Lemire

Resenha da HQ Family Tree: Nascimento, que reúne os 4 primeiros fascículos da série de Jeff Lemire, publicado no Brasil pela Intrínseca, em 2021.

Family Tree tem um nome bem intrincado ao seu enredo, o que pode ser traduzido como árvore genealógica surge de um modo tanto literal, quanto figurado para contar uma história apocalíptica e inusitada. E não falo apenas do fato de que o mundo está enfrentando o apocalipse, a questão vai além disso porque as pessoas estão, literalmente, se tornando árvores. E é através da saga de uma família, marcada por esse acontecimento, que iremos desbravar as páginas da HQ de Lemire.

Family Tree – Volume 1: Nascimento (Family Tree – Vol 1: Sapling)
Jeff Lemire & Phil Hester & Eric Gapstur & Ryan Cody
Tradução Fernando Scheibe
Intrínseca | 2021 | 96p.
Disponível em Amazon
“Não aconteceu como as pessoas imaginaram que aconteceria. Não foi uma guerra, não foi uma bomba ou um meteoro atingindo a Terra.
O mundo não acabou de uma vez só. Acabou devagar… uma família de cada vez.”
Resenha da HQ Family Tree: Nascimento, que reúne os 4 primeiros fascículos da série de Jeff Lemire, publicado no Brasil pela Intrínseca, em 2021.

Sobre Jeff Lemire, Phil Hester, Eric Gapstur e Ryan Cody

Jeff Lemire é autor e ilustrador canadense. Entre suas principais obras estão O soldador subaquático e a trilogia Condado de Essex. Foi eleito duas vezes melhor quadrinista do Canadá pelo Schuster Award e venceu o Eisner Awards pela série Black Hammer. Além das graphic novels independentes, passou por grandes editoras como Marvel e DC, onde atuou em séries como Arqueiro Verde, Constantine e Cavaleiro da Lua.

Phil Hester é um ilustrador americano com trabalhos importantes para Dark Horse, Marvel e DC. É conhecido por sua colaboração em Arqueiro Verde: O espírito da flecha, escrito pelo cineasta Kevin Smith, e por The Coffin, criado por ele. Também ilustrou as HQs Aliens: Purge e Archie vs. Predator.

Eric Gapstur é um artista conhecido por trabalhos como Anomisity: EvolutionThe Flash: Season ZeroBatmand Beyond e James Bond 007. Em 2022, lançará seu primeiro quadrinho autoral, Sort of Super.

Ryan Cody é um ilustrador, escritor e colorista nascido do Arizona, Estados Unidos. Tem trabalhos publicados por editoras como Image, Marvel, DC e Dark Horse. É autor de Icarus e coautor de Villains, da Viper Comics.

Resenha da HQ Family Tree: Nascimento, que reúne os 4 primeiros fascículos da série de Jeff Lemire, publicado no Brasil pela Intrínseca, em 2021.

Sinopse de Family Tree

Não espere por meteoros, pragas ou guerras. O fim do mundo tem início num dia qualquer, numa cidade qualquer, quando uma menina de oito anos começa a se transformar numa… árvore.

Para salvá-la antes que seja tarde demais, sua mãe, seu irmão e seu excêntrico avô embarcam numa jornada bizarra e perigosa em busca da cura e de respostas, deparando-se com diversas ameaças pelo caminho, como mercenários assassinos e adeptos de cultos fanáticos, todos dispostos a destruir a menina ou usarem-na para benefício próprio. A cada passo longe de casa, mais a menina-árvore se vê perto de completar essa terrível transformação, correndo o risco de perder para sempre sua humanidade. Ou talvez tornar-se o que nasceu para ser.

Sombrio e impactante, este primeiro volume reúne os quatros fascículos iniciais da série, uma visão única do subgênero conhecido como body horror, ou horror corporal. Mistério, ação e terror se combinam nessa distopia sobrenatural sobre laços familiares indestrutíveis e a força apocalíptica da natureza.

Resenha da HQ Family Tree: Nascimento, que reúne os 4 primeiros fascículos da série de Jeff Lemire, publicado no Brasil pela Intrínseca, em 2021.

Family Tree: Nascimento

De todas as formas imagináveis que levariam ao fim do mundo, essa é uma bastante improvável de constar na sua lista. Mas se você já imaginou que o fim do mundo começaria quando as pessoas começassem a se transformar em árvores, por favor, me conte.

Jeff Lemire nos leva para o ano de 1997, 14 de março. Um dia como outro qualquer na vida de Loretta: o emprego continua a ser uma droga, o diretor da escola de seu filho Josh, chamando-a para uma conversa enquanto o abandono do seu marido pairando como uma ausência presente. Isto é, não fosse o fato de sua filha, Meg, começar a se transformar numa árvore.

“Olhando para trás, é fácil perceber quando começou… o fim do mundo. O mundo começou a acabar no dia 14 de março de 1997. Muitos diriam que foi bem depois. Mas eu sei que não. Eu estava lá.”

A partir daí a luta é entre crer ou não no que seus próprios olhos estão enxergando enquanto o mundo em si parece fora de compasso. Talvez tudo ainda gire da mesma maneira, os ponteiros do relógio ainda levem o mesmo tempo para dar uma volta completa, mas todo mundo sabe que, a partir de agora, a luta pela realidade (e também pela sanidade) não se resume apenas à ideia de salvar sua filha de seja lá o que está acontecendo. Porque, no meio do caos que instaurado pela cidade, algumas pessoas começam a perseguir sua família e a vida de Meg corre (ainda mais) perigo.

O panorama da história se altera quando uma figura surge em auxílio de Loretta e seus filhos: o avô das crianças, pai de seu marido, e alguém em quem ela certamente não confia e que jamais desejaria deixar ficar perto de seus filhos. Mas com o tempo de Meg parecendo areia prestes a terminar de escoar pela ampulheta, Loretta precisa de respostas para impedir que sua filha se torne uma árvore e, entre uma troca de tiro e outra, trechos do passado começam a ser revelados e é certo de que há muitos mais lados nessa história que ainda precisam ser revelados.

Resenha da HQ Family Tree: Nascimento, que reúne os 4 primeiros fascículos da série de Jeff Lemire, publicado no Brasil pela Intrínseca, em 2021.
“Se algum de nós soubesse o que estava por vir, teríamos agido diferente? Mas suponho que ficar pensando em tudo que poderia ter sido é perda de tempo. E é tudo uma questão de tempo, não é? Como escolhemos usar o pouco tempo que temos? Nossas vidas passam na nossa frente, e continuamos achando que cedo ou tarde vamos entender. Que cedo ou tarde as coisas vão mudar.”
Resenha da HQ Family Tree: Nascimento, que reúne os 4 primeiros fascículos da série de Jeff Lemire, publicado no Brasil pela Intrínseca, em 2021.

O ritmo da história segue interessante e prendendo a leitura, as apresentações são feitas e não demora para que os sinais do apocalipse se mostrem, até mesmo com vislumbres futuros e, com isso, surge uma profusão de sentimentos e ideias. Não apenas pelo desafiar da realidade que é imposto aos personagens, mas também pela rede intrincada que percorre a ideia de família que também se desbrava nas páginas de Family Tree, que, em tradução literal, é árvore genealógica. Um trocadilho que se une à história de um jeito interessante e perspicaz, inclusive.

Um ponto interessante na narrativa é que, considerados os quatro fascículos que fazem parte desse primeiro volume, o foco da trama desloca de personagem. Se iniciamos a história ao lado de Loretta, com o marasmo de sua vida até a descoberta da transformação da Meg, com a inserção do avô das crianças, Judd, a história se deslocada de polo para nos revelar segredos do passado e criar ainda mais teorias sobre o que está acontecendo. Além disso, a história também surge com passagens interessantes da própria Meg, que está passando pela transformação, em trechos que, claro, também suscitam mais ideias, teorias e a curiosidade sobre o que realmente significa a transformação.

Resenha da HQ Family Tree: Nascimento, que reúne os 4 primeiros fascículos da série de Jeff Lemire, publicado no Brasil pela Intrínseca, em 2021.
“Esse também foi o último dia em que vi a cidade onde nasci. Nunca mais voltei para Lowell. Como devem estar as coisas por lá? Uma zona de guerra? Ou terá regressado por completo, como tantos outros lugares?”

Um tema interessante que a HQ aborda é o body horror, conhecido como horror corporal no Brasil, um subgênero do terror que tem um foco no desconforto das transformações corporais que são alheias às vontades das pessoas. É interessante como Family Tree traz isso porque, à primeira vista, pode ser difícil pensar na história como sendo de terror. Mas então, vale lembrar a amplitude do que é o terror (para além da ideia simplista de assustar), e que ele comporta não apenas trabalhar de mãos dadas com outros gêneros, como também abraçar-se à eles.

A maior parte das referências de body horror podem ser encontradas em filmes, mas a verdade é que o tema sempre esteve presente, a ideia do desconforto, de se tornar algo diferente do que você é, até mesmo de não ter controle sobre o próprio corpo, pode ser visto também nos livros. Aliás, essa ideia central de Family Tree me fez pensar em três outras histórias.

Resenha da HQ Family Tree: Nascimento, que reúne os 4 primeiros fascículos da série de Jeff Lemire, publicado no Brasil pela Intrínseca, em 2021.
“Sabe quando alguém começa a falar sobre o fim do mundo e cita o livro de apocalipse, e pega coisas do mundo real e meio que interpreta como se fossem bíblicas? Bom, nos anos que se passaram desde que tudo aconteceu, também fiz isso de vez em quando. De novo aquela história de olhar para trás e entender melhor as coisas. Mas, mesmo nos meus momentos mais céticos, preciso admitir que algo muito único estava acontecendo ali.”

A primeira delas é o filme A Coisa (The Thing, 2011), em que uma equipe de pesquisadores descobre uma criatura congelada na Antártida, que começa a infectar as pessoas, que ficam violentas e são capazes de se fundir a outros organismos vivos (resultando em criaturas bizarras e difíceis dos olhos digerir). Com certeza um body horror que causa, no mínimo, incômodo (disponível no TeleCine). Outra leitura recente e que sem dúvidas e feita para também causar incômodo e traz uma espécie de body horror é a graphic novel Black Hole de Charles Burns, que se passa na década de 1970 e mostra um grupo de jovens que vive em Seatlle, onde uma doença sexualmente transmissível se manifesta de formas diferentes nas pessoas contaminadas, trazendo desde manchas na pele a deformidades e transformações bizarras. Uma obra interessante, inusitada e perspicaz na forma de abordagem dos temas e, ao mesmo tempo, realista.

Por fim, como não pensar em Aniquilação? O livro que dá início à trilogia Comando Sul de Jeff VanderMeer (Intrínseca, 2014) foi adaptado pela Netflix e traz uma história em que existe um lugar chamado Área X: do lado de fora não se sabe o que tem do lado de dentro e várias expedições retornam sofrendo os mais diversos efeitos colaterais. Quando acompanhamos a 12ª expedição, somos confrontados com um mundo selvagem e totalmente diferente em que os limites da existência são borrados. Sem dúvida, pensando na ideia de “virar uma árvore”, que temos na HQ, a correlação pode fazer pensar em várias possibilidades.

Resenha da HQ Family Tree: Nascimento, que reúne os 4 primeiros fascículos da série de Jeff Lemire, publicado no Brasil pela Intrínseca, em 2021.
“Já vi pessoas como você. Pessoas que não conseguem acreditar que algo assim pode acontecer a elas. Que sempre há um jeito de consertar tudo. Bom, não tem. Isso não é mais humano.”
Resenha da HQ Family Tree: Nascimento, que reúne os 4 primeiros fascículos da série de Jeff Lemire, publicado no Brasil pela Intrínseca, em 2021.

Geralmente o mundo apocalíptico surge por culpa de uma doença, um vírus, quem sabe algo desconhecido até, mas muitas vezes um reflexo do descuido humano, de algo que nós mesmos criamos. Só que em Family Tree o que temos, talvez como em Aniquilação, é um mundo natural que toma parte do que somos. É o humano deixando-o de ser e se tornando parte integrante da natureza e, aí, é uma questão que vale pensar sobre os reflexos de nossas ações e papel no mundo. A resposta de Family Tree é, ao mesmo tempo, o que fazemos ao mundo e o que recebemos de volta no ciclo natural do qual é impossível escapar, afinal, somos parte desse todo.

Family Tree é uma ficção de horror que vai te levar por um mundo apocalíptico que não está tão longe da nossa porta e, ao mesmo tempo, irá perguntar: o quanto estamos sujeitos ao mundo ao nosso redor? E se o mundo ao nosso redor começasse a se entranhar em nós, de forma que nós passemos a ser comandados pela natureza e não o oposto?

Aleatoriedades

A HQ Family Tree foi recebida em parceria com a Editora Intrínseca. E já que falamos de cenários apocalípticos, a dica de leitura é também de uma HQ com esse viés: Oblivion Song de Robert Kirman & Lorenzo de Felici

Para saber mais sobre body horror, recomendo o post O Medo da Carne nos Filmes de Terror!

P.s.: o Funko Pop que aparece nas fotos é o King Groot (GamerVerse).

Que a Força esteja com você!

xoxo

Retipatia
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  • Dai Castro

    Que bacana Re! Eu não conhecia! Deixei meia pg no meu bujo pra marcar as leituras de HQs mas até agora está em branco T.T
    Com certeza vou ter esse título em mente quando for fazer uma comprinha de graphic novels. Achei bem interessante a premissa, ainda mais pela peculiaridade do cenário apocalíptico.

    Um beijo,
    Dai

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  • Luly Lage

    Eu tô pensando muito nesse parágrafo final que reflete sobre a possibilidade de o mundo se voltar contra nós porque claramente está acontecendo e as pessoas que um modo geral insistem em não ver, né? Nem mesmo a morte incomoda mais, me pergunto se transformação em árvores incomodaria.

    A mim, com certeza, porque acho muito mais aterrorizante esse tipo de narrativa de transformações corporais do que monstros, demônios e afins. Parece mais possível, uma vez que vivemos coisas parecidos, mesmo que menos extremas, todos os dias. Quem não considera isso terror devia viver um pouquinho de Brasil Contemporâneo.

    Achei os traços da HQ todos lindos, e a capa com a raiz em vermelho, em sinal de alerta, incrível. Você, claro, fez muita justiça a essas imagens com as suas!

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