Existem, basicamente, dois tipos de pessoas no mundo. Não se trata daquele tipo clássico e retrógrado de divisão entre ‘pessoas de bem e pessoas do mal‘, ou tampouco de qualquer tipo de distinção que se valha de gênero, sexo, idade, etnia ou qualquer outro aspecto físico ou intelectual.
A classificação se resume em dois tipos bem simples de serem elencados, mas, talvez, não tão fáceis de serem compreendidos: existem as pessoas do tipo ‘café’ e aquelas do tipo ‘chá‘. Novamente, não que haja, necessariamente, uma superioridade em qualquer destas classificações. Longe disso.
A questão é mais próxima às diferenças do que similaridades, mais de qualidades do que de defeitos. Por exemplo, uma pessoa do tipo café, tem o condão de ser alguém capaz de incríveis transformações, tais como, uma reviravolta de humor após uma boa xícara de café pela manhã. Uma pessoa do tipo chá, por outro lado, tem o condão de ser extremamente pontual, especialmente no que diz respeito ao horário para se tomar chá.
Claro que, para toda regra existem exceções, mas, de maneira geral, a divisão não apresenta grandes falhas ou equívocos. É ainda possível que um indivíduo que sequer beba chá ou café faça-se constar na classificação, uma vez que, o ato de beber, em si, apesar de dar nome à classificação, não é o único definidor das categorias.
Como exemplo, uma pessoa do tipo chá, aguardando uma pessoa do tipo café, tende a se sentir irrequieta, já que a pontualidade não costuma ser a maior qualidade daquelas.
– Obrigada. – Agradeço a segunda xícara do meu chá predileto. Frutas silvestres com um toque de laranja. Fumegante.
Nenhum sinal dela. Será que não me reconheceu e foi embora? Acho que não estou tão diferente assim das minhas fotos das redes sociais, o cabelo mais curto – ok, muito mais curto -, as molas presentes, firmes e fortes ao invés do liso. A última foto tem o que? Um ano? Ok, mais de um ano. Não sou fã de sair em fotos e, é claro, as minhas mal são substituídas nas redes sociais. Bem… ok, acho que esse não seria o caso.
Clico na tela do Tablet e volto a ler o livro. Duas páginas parecem ser o limite, meus olhos insistem em desviar-se até a porta, e dela, para a tela do celular, aguardando alguma mensagem, telefonema, sinal de fumaça ou telegrama. Encaro a ampla janela. O céu do outono está com tonalidades de um azul que começa a se tingir de cor-de-rosa, amarelo e alaranjando, que encontram um azulado arroxeado de tirar o fôlego. Quase como se o pôr do sol disputasse uma corrida eterna com o nascer do sol, a definir qual deles é capaz de revelar o maior espetáculo. E que show, me perco observando as cores se fundindo, como se um exímio pintor estivesse utilizando o céu como sua tela, colorindo e me fazendo sorrir.
– Oi? – Minha atenção se volta para a garota estilosa que acaba de parar à minha frente, seu olhar dizendo claramente as desculpas pelo atraso. E seu sorriso dizendo, “sim, eu vim“. É claro que viria.
Sorrio de volta, é claro. Já experimentou ignorar o sorriso lindo de alguém do tipo café? É simplesmente impossível, porque, uma vez que você recebe algo assim, para além da ideia de educação e etiqueta, é como um ato involuntário. Não porque seja automático, mas porque é irrecusável retribuir, assim como brigadeiro.
Em dois segundos ou menos, já estou de pé e nós nos abraçamos, enquanto dizemos o quão felizes estamos em – finalmente – nos encontrar, pessoalmente. Não se trata de uma amiga que não se vê há muito tempo, mas de uma amiga de coração, que, na verdade, nunca se viu. Parafraseando Saint-Exupéry, ‘só se vê bem com o coração’ e foi exatamente assim que nos vimos desde o momento em que nos conhecemos, com a alma e o coração. Os sentidos, quase todos, dispensados de trabalhar, porque, o que valia, era sempre ouvir as ideias da outra ao ler cada palavra selecionada como os grãos do melhor café, cada frase formada como o preparo de um bom chá e cada sentimento formado como o primeiro gole da sua bebida favorita.
– Desculpe o atraso, de verdade! – Ela diz, em tom de quem acha que eu, como boa bebedora de chá, estaria furiosa.
Mas é sempre muito mais um misto de espera para a água do chá ferver do que, necessariamente, o ato de constatar que o chá acabou e que é impossível conseguir mais naquele momento.
– Imagina! – Respondo, checando a hora no celular. – Foram apenas dez minutos de atraso. – Eu sorrio e nos sentamos, uma de frente para a outra.
Começamos a falar do cardápio e faço questão de mostrar para ela a quase infinita lista de tipos de café gelado e quente que há. E, claro, mais uma lista enorme de chás quentes e gelados, dos quais já sou apta e apontar os favoritos e citá-los pelo nome e numeração do catálogo.
Ouço a primeira impressão dela sobre a cidade, o que é diferente, o que é parecido. E, claro, não podia faltar um ‘quanto morro!’. Sim, aqui tem morro à beça! Pergunto como foi a viagem e o descanso. Mas, não paramos em trivialidades, porque, pessoas tipo café e tipo chá, quando se encontram, não se perdem em discussões acerca da superioridade do café ou do chá.
Falo em como escrever é um desafio constante… é um reimaginar o imaginado, repensar o já pensado e recriar o já criado. É dar vida ao que já vive. É ser novo todos os dias, ainda que se conserve o antigo. É assustador. Como a ideia de beber café com pimenta.
Assustador, é pouco, ela diz. É aterrorizante. É se mostrar e deixar ser visto sem amarras. É deixar-se transparente para que todos vejam seu cerne, como um chá coado com água demais… Mas, é também, inspirador, ela completa. É razão e a ausência dela. É vida e completude.
Não posso discordar e, enquanto ela bebe mais café eu sigo para mais um chá. É exatamente deste tipo de ideia de que compartilhamos. Que o medo é capaz de nos mover, sair do lugar comum, impulsionar.
Impulsionar, ela repete. Sim, impulsionar. Nos leva às estrelas ou ao mais desconhecido pedaço do fundo do mar. Porque, ao mesmo que tempo que tanto sabemos e mais conhecemos, não chega a ser quase nada.
É porque somos irrelevantes, eu completo. O que vamos deixar aqui não será nem sequer uma sombra de quem fomos e, ainda assim, são apenas as nossas palavras, que são nossos atos, que permanecerão.
Serão eternos. Seremos eternos. Ela completa.
Similaridade do pensar. Harmonia. Reciprocidade. São os significados do que, mesmo distantes e, agora, em poucas horas, fomos capazes de sentir e transmitir uma à outra: sintonia. Talvez porque já o fizéssemos há mais tempo ou simplesmente porque, de um jeito ou de outro, algumas pessoas são do tipo café e outras são do tipo chá.
Este conto foi escrito em um projeto de escrita com a Kimberly, do blog It’s Kimby. Conheçam o blog dela, ela é linda, escreve lindamente e fala de vários assuntos de maneira adorável lá no It’s Kimby (sim, eu sou fã da Kimby! Se não estiver claro, melhor deixar aqui registrado!).
Conversávamos dia desses sobre escrever e em como seria quando nos encontrássemos pessoalmente. Definimos uma imagem para a postagem, uma palavra: sintonia. E minha imaginação voou para esse lado demonstrado aí no conto, brotando entre copos de café e xícaras de chá. Claramente – ou nem tanto –, eu sou a pessoa do tipo chá, que espera e faz parecer que 10 minutos foram uma eternidade e, ela, a descontraída garota tipo café. Ambas bem diferentes e, ainda assim, muito parecidas.
Kim, obrigada por sempre acompanhar meus contos insanos, melodramáticos e que não passam de visões certas e incertas do cotidiano. Você é uma sintonia que me impulsiona, não apenas pelo que diz quando lê um texto meu, mas também pelo que é capaz de refletir nas palavras tão bem pontuadas que costuma escrever entre um café e outro. Obrigada pelo café, ou, no caso, pelo chá.
Leia agora o conto que a Kim escreveu, está muito amor: clique aqui para ler!
Que a Força esteja com vocês!
xoxo