Quando foi a última vez que você sentiu que uma leitura te tocou profundamente? Ou que leu mais devagar – apesar da estar sentindo uma enorme curiosidade – por que não queria que o livro acabasse? Sou leitora voraz, e ainda assim senti que precisava de mais tempo com os personagens de A Dança da Floresta. Descobri que precisava desse livro para voltar a sentir a magia que existe nos recônditos de construções antigas, nas florestas que ainda perseveram.
“Já ouvi dizer que meninas não sabem guardar segredos. Isso é mentira: nós somos a prova. Guardamos o nosso por anos e anos, desde que viemos morar em Piscul Dracului e encontramos o caminho para o Outro Reino.”
Juliet Marillier, de nacionalidade neozelandesa, é a autora desse livro que nos faz mergulhar na magia de um país com florestas ainda preservadas. Marillier relatou ter feito ampla pesquisa, e visitado lugares na Romênia que alimentaram e solidificaram o enredo desse livro que aquece o coração.
Primeiras impressões
A edição especial publicada pela Editora Wish só mostra como esse livro consegue exercer um fascínio inexplicável nas pessoas. Vamos começar pelo clima de conto de fadas, já na sinopse é possível perceber que existe uma referência ao conto: As doze princesas dançarinas. Contudo, longe de seguir o script de um conto de fadas tradicional, temos aqui cinco irmãs que precisam lidar com mudanças e tomar as rédeas da casa, do negócios da família e de suas vidas
No primeiro capítulo encontramos Tati, Jena, Iulia, Paula e Stella preocupadas com o pai, e percebemos que existe uma união entre elas. Elas lembram princesas de um reino, que criaram para si. Em suma, as meninas cumprem suas tarefas, ajudam uma a outra, vivem de forma rotineira. Todas, inclusive as mais velhas, ainda se sentem confortáveis dentro da infância e não parecem perceber que é o fim de um ciclo para algumas.
Jena – a segunda mais velha – é quem narra os acontecimentos. Com ela e seu melhor amigo Gogu, um pequeno sapo, vamos seguir pelo portal até o Outro Reino, onde somos apresentados a criaturas fantásticas e muita magia. A maneira como o livro é conduzido, bem como a construção da narrativa nos faz acreditar que existam portais por aí. É possível até ouvir a música mística da clareira, sentir o frio do inverno no castelo e se deixar envolver pelos personagens.
O conto de fadas
Os contos de fadas chegaram à geração de millenials através dos filmes da Disney. Em muitas dessas animações vemos princesas que esperam o príncipe resolver todos os problemas, enquanto elas dançam, cantam, dormem, limpam, cozinham e por aí vai. A estória desses filmes tem sempre a mesma fórmula: as princesas são amaldiçoadas o príncipe resolve tudo e os dois vivem felizes.
Todavia, em A dança da floresta, Marillier imprime um tom mais antigo, como os contos de fadas originais. Aqui nada é o que parece e as meninas devem buscar soluções para seus problemas. Afinal, contos de fado (destino) sempre foram uma forma de alertar crianças, mostrar a transição de crescimento (principalmente para meninas). E nem todas tem um final feliz. É nesse ponto que ficamos presos, afinal qual linha será seguida?
Havia lendas sobre homens que atravessaram um portal, ficaram uma noite com o povo da floresta e, ao voltar, descobriram que cem anos haviam se passado, e que suas mulheres e filhos estavam mortos e enterrados. Havia histórias sobre gente que visitara a festa das fadas e enlouquecera. Quando voltavam ao mundo dos homens, eles só conseguiam vagar pela floresta até morrer de frio, fome ou sede. Havia ainda histórias de pessoas que entraram na floresta e simplesmente desapareceram.
Não existe um único capítulo onde o leitor possa dizer que já sabe qual será o final de cada personagem. Com frequência nos perguntamos se o pai vai voltar? Se Jena vai conseguir lidar com tantos problemas e solucionar todos? Será que o primo (Cezar) vai se mostrar sensato em algum momento? O envolvimento de Tatiana é um sentimento real, ou somente mais um problema para Jena?
Crescimento
A diferença aqui é que as irmãs tiveram mais liberdade que muitas princesas. O pai das meninas proporcionou estudo, uma boa visão do negócio da família – ao menos para quem se interessou -, além de amor familiar e incentivo. Essa bolha é estourada quando a doença do pai o afasta e elas percebem que ainda precisam crescer e amadurecer.
Antes de papai ficar tão doente, Tati e eu nunca tínhamos pensado no que aconteceria a Piscul Dracului se não houvesse um filho homem para herdar a propriedade. Minha irmã mais velha era uma sonhadora e eu tinha um futuro diferente em mente: um futuro no qual eu trabalharia junto com papai, viajando, comercializando e vendo o mundo.
O foco maior é nas duas irmãs mais velhas, Tati e Jena. É nelas vemos a transição de menina mulher. Já Iulia, com sua personalidade voluntariosa, tenta alcançar a mudança de ciclo das irmãs, mas ainda não parece ser o seu momento. Enquanto Paula e Stella não relutam com a infância, elas aproveitam e parecem compreender que seu ciclo ainda não se fechou.
Um ponto interessante é que todas apresentam características de estereótipo de contos. Temos então a donzela, a inteligente fora dos padrões, a espevitada, a criança ingênua e a patinho feio. Todavia é somente impressão, pois é possível notar que as meninas tem ainda suas próprias estórias para serem contadas.
Quando as pessoas falavam de nós cinco, sempre se referiam a Tati como a irmã bonita. Eu era considerada responsável e prática, isso quando percebiam minha existência.
Se por um lado vemos as meninas na busca pelo amadurecimento, por outro o primo delas, Cezar, se tornar mais mesquinho e birrento a cada página. O que nos faz questionar se existe redenção para ele.
A magia
Primeiramente vou confessar que não gosto muito de sapos, rãs, cobras e outros animais dessa categoria (não me julguem!). Ainda assim vou abrir uma exceção para Gogu, o melhor amigo de Jena, que se mostra um simpático anfíbio. Os dois tem uma comunicação só deles, que é aceita pela família da moça como se o sapo fosse ainda um elo dela com a infância, um amigo imaginário. Até suas irmãs, tão acostumadas com seres fantásticos, duvidam que Jena entenda seu amiguinho verde. Ele é o contraponto de certas cenas, as vezes é o sábio guia de Jena, as vezes nos faz rir, outras vezes ele é o amigo medroso, mas fiel.
Gogu esvaziara o pires e agora estava agachado ali ao lado, tremendo. Não confio nele, Jena. Ele me deixa nervoso.
– É o café que deixa você nervoso. – murmurei.
Quanto a clareira dançante, ela tem uma magia que nos envolve. O lugar está ali e coexiste com o reino dos homens, o que é crível. Os dois locais tem uma simbiose antiga, uma relação de respeito, que está para ser abalada. As criaturas e a aura de poder, misticismo, lendas tem uma forte presença. As pessoas sabem que precisam da floresta, mas tem medo do que habita nela, por isso buscam um equilíbrio.
Logo após atravessar para o Outro Reino somos confrontados por criaturas peculiares, ali a imaginação corre solta. Temos a misteriosa bruxa Draguta, a bela rainha Ileana, os ambíguos seres da noite (não exatamente vampiros), bem como anões, fadas. Nem todas as criaturas mágicas possuem uma descrição exata. Lá passamos a conhecer seres como Grigori (ele é um dos que mais me cativou), que não é um humano, mas que também não me lembro de estar encaixado em uma classificação.
Minhas impressões
Ler A Dança da Floresta me deixou com a sensação de que os portais estão aqui, em algum lugar. A escrita de Juliet Marillier mostra o incrível talento dessa mulher para escrever personagens baseados em versões originais dos contos de fadas, mas que não tem absolutamente nada de previsível.
No decorrer do livro e na nota da autora, somos despertados para a sensibilidade de Marillier em escrever a estória. Ela buscou respeitar a cultura folclórica da região onde seus personagens estão inseridos. Mas para além disso, existe um cuidado em evitar cair no clichê, afinal a Romênia é conhecida como lar do famoso personagem Drácula.
Em síntese, esse é um convite meu para você se aventurar, e te garanto que essa viagem até a Romênia não vai te deixar indiferente.
Uma dica: a editora Wish tem alguns livros sobre contos de fadas. Você pode ler as resenhas de alguns deles aqui no blog, portanto é só clicar em: Os Melhores Contos de Fadas Nórdicos; Contos de Fadas em suas versões originais.
Eu e o livro A Dança da Floresta
Ainda em 2018, em meio a pesquisas de novos livros para minha interminável lista de desejos encontrei A dança da floresta. Naquela época só haviam exemplares usados, nada contra, mas como não tenho experiência em escolher usados então ficava namorando o livro, porém não tinha coragem de comprar. E assim, todo ano era a mesma coisa: pesquisava, namorava o livro e não comprava.
Até então eu não conhecia a modalidade de financiamento coletivo, sendo assim, quando a editora Wish abriu a campanha acabei perdendo a oportunidade de apoiar. E ao pesquisar novamente já me deparei com essa edição maravilhosa. Infelizmente o projeto no Catarse já tinha sido fechado, mesmo assim adquiri direto do site da editora sem pensar duas vezes. Foram quatro meses depois da compra que senti que estava concentrada para apreciar essa obra e confesso que queria ter a oportunidade de ler como se fosse a primeira vez novamente.
Obrigada Wish e obrigada Juliet Marillier, gratidão por essa experiência. Agora a pergunta que não quer calar, vamos ter a publicação da sequência? (não custa tentar kkkk).
A Dança da Floresta
- Autoria:
- Juliet Marillier
- Autoria:
- Julia Romeu (tradução)
- Editora:
- Wish
- Ano de lançamento:
- 2021
- Páginas (nº):
- 448p
- Gênero:
- Infanto-juvenil
- ISBN:
- 978-65-88218-31-0 (capa dura)