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Piano Mecânico ♥ Kurt Vonnegut

Resenha do livro Piano Mecânico de Kurt Vonnegut, lançado pela Intrínseca.

Piano Mecânico traz uma história bem parecida com a da sociedade moderna e, ainda assim, bem diferente. Um mundo em que máquinas substituíram a mão de obra humana não é novidade, mas e quando isso resulta em uma nova forma de divisão de classes? Uma baseada não na quantidade de números que tem na sua conta bancária (ainda que essa diferenciação tenha se mantido), mas uma que mede sua eficiência a partir do seu QI.

Piano Mecânico (Player Piano)
Kurt Vonnegut
Tradução de Daniel Pellizzari
2020 | 496 páginas
Intrínseca

Disponível em Amazon

“As máquinas mostraram quem é homem e quem é moleque, vamos dizer assim.”
Resenha do livro Piano Mecânico de Kurt Vonnegut, lançado pela Intrínseca.
Sobre Kurt Vonnegut

Kurt Vonnegut nasceu em Indianápolis em 1922. Estudou nas universidades de Chicago e do Tennessee e mais tarde começou a escrever contos para revistas. Seu primeiro romance, Piano mecânico, foi publicado em 1951 e desde então ele escreveu muitos outros, como As sereias de Titã (1959); Cama de gato (1963); God Bless You Mr Rosewater (1964); Café-da-manhã dos campeões (1973); Galapagos (1985) Hocus Pocus (1990).

Resenha do livro Piano Mecânico de Kurt Vonnegut, lançado pela Intrínseca.
Sinopse de Piano Mecânico

Em um futuro não muito distante, pós uma nem tão distópica Terceira Guerra Mundial, as máquinas finalmente venceram. Quase tudo foi automatizado e logo a sociedade se dividiu sob um novo sistema de estratificação não mais baseado em dinheiro, mas sim em inteligência. De acordo com seu QI e capacidade intelectual, os indivíduos são classificados e registrados em um cartão perfurado. E sua posição social ― um destino de glória ou esquecimento ― só pode ser definida a partir da análise desses dados.

Do lado dos privilegiados ― engenheiros e gerentes ― o doutor Paul Proteus leva uma vida confortável no alto escalão das Indústrias Illium, o maquinário que controla toda a vida da cidade homônima. Sua casa confortável, o prestígio entre os pares, a esposa atenciosa e dentro dos padrões: absolutamente tudo está em seu devido lugar e a ordem impera. A visita inesperada do inquieto e inconformado Ed Finnerty, um ex-colega de trabalho, promove um abalo sísmico em Paul e suas consequências, a princípio restritas à psique, logo se transformam em uma ameaça não apenas ao seu estilo de vida, mas ao de toda a estrutura que o cerca.

Quando atravessa o rio que divide a cidade e suas castas, Paul vê com os próprios olhos como é a vida de quem foi excluído do sistema. Mais do que uma crítica à automação e ao progresso desenfreado das tecnologias, Piano mecânico é um livro sobre o desconforto inerente que toda estrutura social causa ao homem moderno. Logo após a publicação de 1984, livro pelo qual Vonnegut admitiu ter sido fortemente influenciado, a obra compartilha com Orwell a ansiedade do pós-guerra e o medo de que, em tempos de paz, as nações venham a se submeter a níveis potencialmente paranoicos de controle social.

Leia Kurt Vonnegut

Eu poderia resumir toda essa resenha com LEIA KURT VONNEGUT! Mas quem está esperando alguma informação sobre o livro pode achar um tanto quanto preguiçoso sucinto então acho que posso discorrer um pouco mais desde que fique registrada a recomendação inicial.

Piano Mecânico é o primeiro livro publicado de Kurt Vonnegut, o terceiro lançado pela Intrínseca na linha editorial que tivemos em Matadouro Cinco e Café da Manhã das Campeões (tem eles nas fotos).

Logo que li Matadouro Cinco, foi amor a primeira lida (clica para ler a resenha). Não é algo que se resume à escrita fluida, inteligente a ácida que Vonnegut possui, mas algo que o torna singular. Que tornou Matadouro Cinco um clássico e todas as obras do autor, apreciadas mundialmente. Depois foi a vez de Café da Manhã dos Campeões (clica para ler a resenha). O amor fortaleceu e, agora em 2020, a Intrínseca nos presenteou com Piano Mecânico.

Assim que o livro chegou até minhas mãos eu comecei a ler. Só que a coisa não fluiu muito bem. Eu não consegui me conectar com a história de cara e achei que tinha alguma coisa errada. Perguntei: o que está acontecendo com a gente, Vonnegut? Aqui eu posso dizer que a culpa não foi dele. Mas também não foi minha. Simplesmente não foi o timing perfeito para começar a história. Quando eu peguei novamente para ler, não posso dizer que foi apenas fluida, eu devorei o pequeno calhamaço de quase 500 páginas em dois dias. Pois é, agora eu vou para a parte do porque é tão importante essa leitura.

Resenha do livro Piano Mecânico de Kurt Vonnegut, lançado pela Intrínseca.
Piano Mecânico

Em Piano Mecânico temos um mundo utópico-distópico (?). Escolher entre a distopia e a utopia dependerá de qual lado da ponte você está.

Caso você viva em Domicílio, onde a classe trabalhadora vive, ou seja, aqueles que não possuem um QI para serem gerentes e engenheiros, é bem provável que com seus 30 dólares semanais, uma casa do american dream igual a mais outras dezenas de milhares e cada dia novos empregos deixando de existir porque máquinas estão agora aptas a fazer isso, bem, é provável que você acredite estar vivendo uma distopia.

Mas como toda moeda tem dois lados, atravessando o rio temos a utopia. Ou o local em que vivem os tais gerentes e engenheiros. Eles tem um salário com bem mais dígitos e controlam o que as máquinas não conseguem controlar. Num mundo sem guerras, sem fome, em que é garantida assistência básica a todos, o que não estaria perfeito?

Com seus altos QI’s, seus carros novos, casas grandes e aspirações profissionais, é um tanto quanto difícil que percebam que o sistema tem suas falhas. Mas é certo que nem todo mundo vive sob a camada de crença que o sistema impõe. Há alguns insatisfeitos aqui e ali, e pode ter certeza que a polícia está de olho neles. E, alguns dos insatisfeitos, por raras vezes, são algum gerente ou engenheiro.

O doutor Paul Proteus é um deles. Anda que não tenha certeza de como tudo funciona, está disposto a descobrir e, a cada incursão em Domicílio, ele percebe que a fatia do bolo não anda muito bem distribuída. Que o incômodo é real, que a balança anda descompensada. É a partir daí que sua visão de mundo irá ampliar e, com isso, vem o incômodo.

O incômodo em Piano Mecânico

É impossível falar dessa história sem esse ponto de partida: o incômodo. Afinal de contas, na situação de privilégio tudo que a parte opressora tem é um leve incômodo ao se dar conta de que algo não é ou está como deveria. Ao perceber que, se existe uma parte oprimida, existe uma parte opressora. E, especialmente, que faz parte dela.

O doutor Proteus é quem dá início a exploração desse incômodo, inclusive a partir da visita de um velho amigo, Ed Finnerty, que parece não se enquadrar nos padrões sociais. A partir daí, vemos sua vida ameaçar ruir. Ele não quer mais o emprego que tem, pouco vai se esforçar pela promoção que está em jogo. Na verdade, ele se surpreende como tudo em sua vida foi conquistado com tanta facilidade.

Explorando os passos do personagem, Vonnegut nos leva para os dois lados do rio e explora a ideia do american way of life, american dream (o livro foi escrito na década de 1950) e, com maior foco, o sistema de classes. Aqui, o que define de que lado do rio você estará é seu QI. O que irá resultar numa forte disparidade entre cada lado e, apesar de se imaginar que a partir disso, qualquer um poderia “subir na vida”, a situação é tão engessada como no mundo em que vivemos que os números da conta bancária são os diferenciadores.

Piano Mecânico para além da discussão de classe

Mas Vonnegut não se resume à esse tópico. Assim como ele explora a questão da divisão de classes, do sistema opressor, vários outros debates são servidos durante a melodia de Piano Mecânico: como o papel da mulher na sociedade (ela não precisa de QI e sim de peitos grandes para conquistar um bom marido). A questão toda ainda remete, como em Matadouro Cinco, a questão da guerra. Em Piano estamos vivendo no período pós guerra e a sociedade quer controlar tudo que seja possível, com um medo escabroso do que pode vir a acontecer caso perca as rédeas.

Além disso, ainda há um tema que é impossível não deixar de falar: a relação ser humanos x máquinas. Além da substituição de pessoas por máquinas, alterando o sistema de trabalho, de mão de obra e tudo o mais, a relação entre homens e máquinas também é explorado no livro. Não apenas em se tratando dessa substituição física de mão de obra, mas acerca da dependência humana às máquinas para fazerem tudo por ela. Em relação a constante colocada de poder de decisão na “mão” das máquinas (e isso é muito sinérgico com minhas leituras atuais, inclusive vou recomendar o post Redes Sociais: a Matrix do mundo contemporâneo?).

Por certo, discorrer mais sobre a história em si seria entregar as minúcias da beleza da construção da história de Kurt Vonnegut. Mas posso adiantar que sua escrita é tão impactante que, nas cenas em que há balbúrdia, é como se o leitor estivesse com uma banda tocando ao lado. Prepara-se para adentrar na história.

Além de debates sinérgicos, uma história afiada, Piano Mecânico garante uma sinfonia sem defeitos, uma melodia que ressoa na realidade em que vivemos, nas relações que criamos e em tudo que perpetuamos.

Resenha do livro Piano Mecânico de Kurt Vonnegut, lançado pela Intrínseca.
Aleatoriedades

O livro Piano Mecânico foi recebido em parceria com a Editora Intrínseca.

Por fim e totalmente aleatório, para as fotos, desmontei um teclado de computador. Mas agora só os deuses da cibernética saberão se eu o montarei adequadamente e se ele funcionará depois do processo… rs

Que a Força esteja com vocês!

xoxo

Retipatia
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