Fico a divagar sobre as pessoas. Não de me preocupar se desperdiçam os blues do Djavan ou com quem se deita.
Importo-me com o que fazem dentro de si, se o olhar que atravessa janela do ônibus tem sentido por causa dos fones dos ouvidos ou se o gole da cerveja do boteco de copo sujo chique na segunda-feira, é de cevada menos amarga que a de domingo.
Não sei, talvez seja coisa da minha cabeça pensar porque o rapaz está entre as portas do próprio prédio, sem nem vir nem ir. Mas estranho mesmo é que sempre acabo tentando entender porque algumas casas tem duas portas, nos fazendo entrar duas vezes nelas.
Tento ler o título do livro da colega ao lado e lembro da garota que me perguntou o que eu lia no ponto de ônibus. A parte boa é que ela se desprendeu pelo título, ele gastou meus minutos mesmo sem valer a passagem dos olhos. Só que dizem que tudo agrega, que tudo que se lê passa a fazer parte da gente, a nos compor. Acho que fiquei descomposta.
E o caminho continuou sob uma garoa meio chuva fora de época, como se eu soubesse em que época chove ou se houvesse mesmo época pra chover hoje em dia.
Perdi as coletas de energia que o jogo pediu, indaguei o francês da passageira ao lado e imaginei porque sempre não admiramos o estrangeirismo quando ele está do nosso lado, gritado ao celular. Será que ele também está do lado de dentro dela?
Do dela jamais saberei falar, não sei falar sequer do meu. O meu, esse estranho que parece por vezes pequeno demais, outras, estratosférico, só sei sentir que está mais para a velha sentada à mesa do boteco, olhando o copo lagoinha repleto de metade de líquido amarelo, com o dedo a marcar a linha do livro arreganhado à mesa. Sem ninguém na cadeira da frente. Só a luz de tieta e os blues do Djavan.
Ouvindo: é a lua, é o sol é a luz de Tieta, eta, eta… (only on my mind…)
Juliana Sales
Gosto muito de ler suas crônicas. Gosto da forma como você expressa o dia a dia quando você escreve essas crônicas. Na verdade, mesmo lendo as suas resenhas, já é possível notar na forma como você fala sobre a história que você possui a habilidade para retratar o cotidiano de forma atenta e sensível. Também tenho um pouco isso de imaginar a história de vida por trás das pessoas que vejo por aí. Sempre achei isso divertido, desde adolescente.
Retipatia
Oi Juliana!
Ah que delícia saber que gosta de ver o dia-a-dia a partir das crônicas que aparecem por aqui! E ainda mais saber que as resenhas também já mostram um pouco do meio que uso para relatar o todo dia, as impressões e sentimentos!
É mesmo um exercício fascinante se colocar a indagar para onde vão e de onde vêm cada um dos transeuntes… <3
Obrigada pelo diálogo! <3
xoxo
Lunna
Buongiorno, cara mia.
Estava a ler-te e a dar pelos movimentos, combinando os seus aos meus. Sempre que saio, observo pessoas em suas rotinas. Não são todas que cativam a minha atenção. Uma ou outra causa aquele estalo. Provoca-me. Rotinas são interessantes. As pessoas não dão por elas. Há por aqui um senhor que leva sua tartaruga para tomar sol, todos os dias azuis. Outro dia uma senhora disse-me ‘que absurdo ter uma tartaruga num prédio, tanto quanto ter um cão ou gato’. ela mora sozinha. A imaginei a falar com as paredes, os retratos espalhados por cima dos móveis, com o William Bonner, durante o jornal. Deve responder o boa noite dele.
Fiquei quieta, claro.
Sai e fui andar, até o ponto do Coletivo. Há uma mulher que vive por aí, a perambular e do nada, começa a dizer coisas sem sentido para nós. Dentro dela, certamente faz sentido. Esta sempre bem vestida. Imagino que tenha algum desvio mental. Demência ou Alzheimer. Ela não tolera homens e já imaginei diversas razões. E se eles dão risada, dispara algo nela e começa a dizer bem alto as suas frases. É inofensiva e talvez se tivesse o tratamento adequado, ficaria melhor. Ninguém para e lhe dá alguma atenção. Nem eu, que sigo a ouvir as músicas e entro no Coletivo, e torço para que ninguém se sente ao meu lado porque as pessoas, de tão solitária querem dialogar. Outro dia, uma me cutucou para um diálogo. Reclamou atenção e eu perdi um texto inteiro.
Acho que vou recorrer ao estrangeirismo daqui para frente, falar italiano-frances para afastar-me “Je ne comprends pas”… que tal? rs
bacio
Ps. Acho que eu viajei total, mas a culpa é sua. hunft
Retipatia
Oi Lunna!
Também não são todas que tomam a minha atenção, ainda que seja difícil definir os porquês de cada uma que chame, seja pelas tartarugas ou por chamarem tal atenção para si. Entendo bem a situação… rsrsrs
E eu também não gosto de ser cutucada em ônibus para diálogo, gosto de ler, ouvir música, ver as paisagens passarem por mim ou eu por elas, mas não para falar. Se fosse você, sem dúvidas recorreria ao estrangeirismo, pode ter certeza… eheheh
p.s.: não ligo para esse tipo de culpa, assumo.
Ana Claudia Soriano de Angelo
Crônica leve! Lindíssima! Sobre o divagar sobre as pessoas, a mim é certo! Concordo com você que, em certas ocasiões, bastam realmente apenas “a luz de Tieta e o blues de Djavan”!
Beijos agradecidos pela bela leitura a mim proporcionada!
Retipatia
Oi Ana Cláudia!
Ah que delícia saber de suas sensações ao ler! Eu estou sempre a divagar por aí e foi muito bom transformar isso em palavras escritas! <3
Obrigada pela visita e pela leitura! <3
xoxo
Analia Menezes
Adorei seu texto-crônica. É bem reflexivo.Eu costumo ter uma visão inicial das pessoas e levo isso pra vida toda. O que nem sempre é bom. Sabe aquela frase “a primeira impressão é a que fica” pois é. E nem todas tomam minha atenção.
amei
Analia Menezes
Adorei seu texto-crônica. Bem profundo a forma como se expressa em relação as pessoas. Sou estranha, “a primeira impressão é a que fica” é o que me poe muro sobre elas. Sou observadora demais e nem sempre, observo coisas boas.
adorei mesmo
Retipatia
Oi Analia!
Ah obrigada! Com certeza primeiras impressões são marcantes, mas é sempre bom descobrir o que há além delas também! 🙂
Obrigada pela visita!
xoxo