Pequenos incêndios por toda parte, foi o que disseram que havia acontecido. O detalhe é que ninguém imaginou que a gasolina e o fósforo não foram riscados de uma só vez, mas sim ao longo dos meses e da vida dos moradores de Shaker Heights.
Pequenos incêndios por toda parte (Little fires everywhere)
Celeste Ng
Tradução Julia Sobral Campos
Intrínseca
2019 | 414 páginas
Disponível em Amazon
“- Os bombeiros disseram que havia pequenos incêndios por toda parte – afirmou Lexie. – Vários pontos de origem. Possível uso de combustível. Não foi um acidente.”
Sobre Celeste Ng
Celeste Ng nasceu nos Estados Unidos e já morou em Shaker Heights. Formou-se em Harvard e fez mestrado em belas-artes na Universidade de Michigan, onde ganhou o Hopwood Award. Seu romance de estreia, Tudo o que nunca contei, ganhou o Massachusetts Books Award, o Asian/Pacific American Award for Literature e o ALA’s Alex Award. Celeste mora em Cambridge, no estado americano de Massachusetts, com o marido e o filho.
Sinopse de Pequenos incêndios por toda parte
Em Shaker Heights tudo é planejado: da localização das escolas à cor usada na pintura das casas. E ninguém se identifica mais com esse espírito organizado do que Elena Richardson.
Mia Warren, uma artista solteira e enigmática, chega nessa bolha idílica com a filha adolescente e aluga uma casa que pertence aos Richardson. Em pouco tempo, as duas se tornam mais do que meras inquilinas: todos os quatro filhos da família Richardson se encantam com as novas moradoras de Shaker. Porém, Mia carrega um passado misterioso e um desprezo pelo status quo que ameaça desestruturar uma comunidade tão cuidadosamente ordenada.
Eleito nos Estados Unidos um dos melhores livros de 2017, Pequenos incêndios por toda parte explora o peso dos segredos, a natureza da arte e o perigo de acreditar que simplesmente seguir as regras vai evitar todos os desastres. O livro, que fez parte do clube do livro de Reese Witherspoon, ganhou uma série adaptada da produtora Hello Sunshine da atriz e é estrelada por ela e Kerry Washington.
Bem-vindo a Shaker Heights
Bem-vindo a Shaker Heights! Onde o sol brilha galantemente nas casas de cores combinadas. Onde o planejamento se mostra a receita para o sucesso. O lar da família Richardson há gerações, na verdade, praticamente desde o início de Shaker Heights. Eles possuem são tudo que uma família deve ser: empregos bem remunerados, muitos filhos, estabilidade, uma grande casa, amor e, claro, dinheiro para muitas viagens e luxos em casa.
“A maioria das comunidades simplesmente surge; as melhores são planejadas.”
Em Shaker Heghts, as cores das cortinas devem seguir o padrão, a grama deve ser sempre aparada com regularidade (caso você não o faça, é claro que a administração local pode fazê-lo, o boleto para pagamento chegará no conforto da sua casa). As casas geminadas parecem ser apenas uma, ninguém precisa saber que você está alugando, é claro.
“Tinham sido projetadas intencionalmente daquela forma. Isso pertimia que os moradores evitassem a vergonha de morar em uma casa com dois apartamentos – de serem inquilinos em vez que proprietários – e que os urbanistas preservassem a aparência da rua, afinal todos sabiam que bairros com casas alugadas eram menos atraentes.”
O jornal local é loquazmente dirigido por Elena, a Sra. Richardson, com cobertura das notícias mais importantes as triviais: o ganhador do projeto de ciências da escola e a discussão sobre a reforma da praça. E quando a Sra. Richardson aluga um de seus apartamentos para Mia Warren e sua filha Pearl, ela não imagina que isso significa o mesmo que espalhar o capim seco antes de jogar a gasolina.
“Fincar raízes tão profundas em um único lugar, estar tão imerso que o local se infiltrava em cada fibra do seu ser: ela nem conseguia imaginar como era.”
As coisas parecem começar a se confundir quando Pearl se torna amiga de Moody, um dos filhos da Sra. Richardson. As portas da residências são abertas para ela e, ao se aproximar também dos outros filhos de Elena, bem, podemos dizer que a gasolina acaba de ser espalhada pelo terreno. É só uma questão de tempo até que existam pequenos incêndios por toda parte.
“Desde sempre Pearl entendia a hierarquia: o trabalho verdadeiro da mãe era sua arte, e o que quer que pagasse as contas só existia para tornar a arte possível.”
Pequenos incêndios por toda parte
A beleza de Pequenos incêndios por toda parte está nos vários sentidos que seu título vai tomar: o literal, explícito nas palavras, na capa e, também no fogo que corrói pessoas por dentro e não nas chamas que destroem paredes.
“Fora criada para seguir regras, para acreditar que o bom funcionamento do mundo dependia da sua obediência, e era isso que fazia: seguia e acreditava.”
Temos numa das personagens principais, Elena, uma idealista acomodada, que a vida tranquila a fez achar qualquer gesto uma verdadeira caridade. É alguém que planeja, do início ao fim do dia, do começo da vida, ao seu fim. Não aceita descumprimento de regras, não aceita falta de planejamento. É assim que se relaciona com o marido e os filhos: Lexie, Trip, Moody e, especialmente, Izzy: a caçula e o espírito arteiro e incompreendido da família.
“O que vai fazer em relação a isso? Era uma pergunta que nunca tinham feito a Izzy. Até então sua vida não passara de uma fúria silenciosa e inútil.”
De outro lado, temos Mia Warren, que vive uma vida nômade com sua filha Pearl. Por incrível que pareça, ao chegar em Shaker Heights, ela acredita que é sua última viagem, o lugar que finalmente poderiam criar raízes. Mia é uma artista e, apesar das dificuldades, faz de um tudo por sua arte, apenas não mais do que por sua filha Pearl. Quando ela se muda, só levam o essencial: dois pratos, dois copos, alguns talheres, panelas, poucas mudas de roupa. Suas máquinas fotográficas e o que couber no seu Rabbit.
“Depois que Mia enviava as fotos pelo Correio, Pearl já sabia: as duas colocavam as coisas no carro outra vez e todo o processo se repetia. Uma cidade, um projeto, e então era hora de seguir adiante.”
A questão é que a presença de Mia e Pearl quebra o delicado equilíbrio que Elena levou a vida para construir e um evento em especial a leva a atitudes extremas, a buscas insaciáveis. Para retornar à ordem, é claro. O que ela não sabe é que o fósforo já fora riscado.
“Já naquele instante Mia teve uma intuição sobre o que estava começando. Um cheiro quente incomodava suas narinas, feito a primeira nuvem de fumaça de uma labareda distante.”
Assim, teremos, unido à narrativa envolvente de Celeste Ng, não apenas uma história sobre uma comunidade perfeita que deixa suas fissuras (racistas e superficialmente de discurso igualitário) à mostra. Mas também de uma família que rui, de famílias que se destroçam. De vidas que estão prestes a mudar para sempre.
“Ela havia aprendido ao longo da vida que a paixão era, assim como o fogo, uma coisa perigosa. Era muito fácil perder o controle. Escalava muros e pulava trincheiras. Fagulhas saltavam feito pulgas e se espalhavam com a mesma rapidez; uma brisa era capaz de arrastar brasas por vários quilômetros.”
Apesar de ter vários debates que envolvem o núcleo familiar, é interessante como a maternidade permeia todos os poros da história. Cada fagulha de fogo, remete à isso. Não apenas nas relações de Elena com seus filhos e de Mia e Pearl, mas também das tramas adjacentes que irão surgir com outros personagens, ainda que o envolvimento delas permaneça forte e quente, prestes a incendiar.
“Você nunca supera uma coisa dessas, dar adeus a um filho. Não importa como acontece. É sangue do seu sangue.”
Os debates, colocados, são do tipo que dificilmente se encontrará resposta certa ou errada. São dramas familiares que estão presentes em nosso dia a dia, assim como pré-conceitos, preconceitos, racismo, racismo estrutural, diferenças de classe e desigualdades, tudo que o mundo atual parece incapaz de ver e reparar. Mas que, infelizmente, é intrínseco à sociedade.
“Mas o problema das regras, refletiu ele, era que subtendiam um jeito errado e um jeito certo de fazer as coisas, quando, na verdade, na maior parte do tempo havia apenas jeitos, sendo que nenhum deles era exatamente certo ou errado e nada podia indicar com certeza de que lado da linha você estava.”
Mantendo a narrativa em terceira pessoa, Celeste Ng nos leva para o fim da década de 90, apresentando a trama de uma maneira diferente. Ela conta, ainda que sem quebra da quarta parede, ao leitor, as entrelinhas (ainda, por vezes) não descobertas pelos personagens. Forma a trama entremeada de detalhes, sutilezas, fatos, sentimentos, formando uma rede. Uma que sabemos que está pegando fogo, afinal, o fósforo já foi jogado.
“Acho que, na maioria das vezes, todo mundo merece mais de uma chance. Todos nós fazemos coisas de que nos arrependemos de vez em quando. Você só tem que carregá-las consigo.”
Ainda que a história esteja há mais de vinte anos de distância de nós, é um espelho perfeito da realidade atual. É um ponto de partida excelente para questionar o status quo, com uma Shaker Heigts miniatura do mundo, da vida e suas discrepâncias. Para riscar o fósforo, ou apagá-lo.
“Era como treinar para sobreviver só com o cheiro da maçã, quando o que ela queria de verdade era devorá-la, fincar os dentes nela, consumi-la com os caroços, o miolo, tudo.”
Pequenos incêndios por toda parte traz debates extremamente atuais e é uma leitura que, improvavelmente, não vai trazer reflexões ao leitor. Pelo contrário. O debate está presente a todo o tempo, não apenas em linhas explícitas, mas em comportamentos normatizados e, não por isso, corretos e despidos de preconceitos. É o American way of life colocado sob uma lupa, e o que vemos, está prestes a incendiar. Assim como o livro, que é capaz de incendiar nas mãos de quem o lê, mas, como diria Mia Warren, a questão é “O que vai fazer em relação a isso?“. Abafar o fogo ou deixar a terra arder, para que o solo possa se tornar fértil novamente?
“Algumas fotos – explicou Mia – pertencem à pessoa que as tirou, outras são da pessoa que aparece.”
Pequenos incêndios por toda parte: a série
Shaker Heights ganhou cores, as gramas de suas casas foram devidamente aparadas e o American way of life foi para as telas na adaptação de Pequenos incêndios por toda parte, da produtora Hello Sunshine, de Reese Witherspoon. A atriz, que leu o livro em seu clube do livro, estrela como Elena Richardson, ao lado de Kerry Washington, como Mia Warren.
A série conta com 8 episódios, com média de 50 minutos cada, e engloba toda a história do livro. É claro que existem mudanças, afinal estamos falando de uma adaptação e nem tudo que funciona em um, funciona no outro.
Mas posso dizer que as mudanças feitas preservaram o essencial da história: o drama das famílias, das mães, as histórias adjacentes que surgem, tudo isso dando mais profundidade aos personagens. Mesmo uma das mudanças que eu particularmente, não achei tão boa, sobre a personagem de Elena, pode ser justificada pela diferença narrativa entre livro e série, assim como, talvez, pelo entendimento de um motivo mais sólido para a questão.
As mudanças trouxeram, em alguns casos, novos debates, que enriqueceram a história, que, talvez num filme não fosse necessário, mas que ficou bem colocado e desenvolvido na série. Além disso, os pontos chave de discussão da história, sobre racismo, desigualdades e maternidade, estão todos lá: seja através de Mia e Pearl, ou de Elena e seu quarteto: Lexie, Trip, Moody e, especialmente, Izzy. E claro, da trama que vai se desenrolar e envolver bem mais que esse núcleo.
Não vou adentrar em detalhes minuciosos para não dar spoiler sobre as reviravoltas (muitas também presentes no livro) e mudanças, que vão trazer algumas surpresas até mesmo para quem leu o livro, mas a série é, sem dúvidas, incrível! Seja enquanto obra solo, enquanto adaptação. Mais que recomendada!
A série Pequenos incêndios por toda parte está disponível na Amazon Prime!
Aleatoriedades
- Pequenos incêndios por toda parte, de Celeste Ng foi recebido em parceria com a Editora Intrínseca.
- Uma dica: o livro não foi lançado com capa nova da série, é apenas uma sobrecapa! Então caso esteja tendo dificuldades em encontrar “a capa antiga”, não preocupa que mesmo que a imagem seja da série no site que você encontrou, é apenas a sobrecapa que traz essa propaganda. Link Amazon
- Sobre as fotos: não tentem fazer isso em casa, crianças!
- Essa história me fez pensar um pouco em Morte Súbita, da J. K. Rowling (Ng tem uma narrativa clara e que prende, mas em Morte Súbita muitas vezes me vi tentando lembrar na trama quem era quem, já que tem um número bem elevado de personagens). Não que o estilo narrativo seja o mesmo, mas é o desdobramento de um único que faz a mudança em toda uma sociedade. Isso os livros possuem em comum.
- Uma outra leitura que é também um drama familiar, que eu recomendo a leitura é A Visita Cruel do Tempo da Jennifer Egan!
Que a Força esteja com vocês!
xoxo
Livrosdeumafisica
Fiquei com um medo de ler essa resenha e receber um spoiler kkk. Já assisti a série e curti muito a história. Estou começando o livro e já tô amando. A história é bem desenhada e tem todo um mistério e segredos que me prenderam totalmente. Suas fotos ficaram incríveis e representou bem a história.
@milenaolis
Só estou vendo as pessoas elogiando esse livro. E depois que você postou a vontade aumentou horrores! Com certeza irei ler (em 2021, pois minha lista não cabe mais nada ahahahah), confio no seu gosto literário, ahaha. Sem contar que a temática do livro é bem recorrente, né? Faz a gente criticar muita coisa ao nosso redor. Resenha super completa, como sempre!!
@milenenas
Eu fiquei sabendo primeiro da série, não conhecia o livro. Já estava ansiosa pra assistir e agora fiquei ansiosa pra ler. Gosto de livros que trazem discussões importantes e me fazem ficar refletindo por um bom tempo. Esse aí me parece trazer exatamente isso!!
Parabéns pelas fotos, Re! Ficaram muito bonitas!!
Sua resenha, como sempre, é sensacional! Sempre nos trazendo uma visão geral do livro e seus principais pontos! Eu amo!
Meu ig: @milenenas
ma.riah6256
Que resenha Rê ! Adoreiiiiiiiiiiiii demais. As fotos estão incríveis como sempre. Ficou um mistério no ar no que vai acontecer entre essa duas famílias, eu quero ver era destruição kkkkk (sorry, eu adoro um incêndio em livros). Tbm gosto de livros que a partir da narrativa vai falando do passado misterioso do personagem e estou torcendo para ver isso nesse livro ! Enfim, a resenha me motivou muito mais para ler !
Vazio Na Flor
Eu sabia que quando chegasse aqui no blog, iria me sentir num ritual gostoso. Eu amo suas fotos e nunca irei me cansar de agradecer por isso. Meus olhos ficam felizes com as cores, as luzes, as velas(eu amo suas velas)
Eu ainda não li esse livro e nem vi a série ainda.Mas pretendo, é claro.
Pelo que pude entender, é impossível ler ou ver a série e sair do mesmo jeito que se começou.
Há um aprendizado em cada detalhe dessas famílias e que precisa de fato, incendiar a nós mesmos!!!
Com certeza, quero muito ler o livro e ver a série o quanto antes!!!
Beijo
Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor(@vazionaflor)
Adaiane pereira
Eu fui direto ver a série e gostei bastante, do enredo e da atuação das personagens principais, já digo que queria ser Amigona da Mia, achei ela incrível dmais.
@adaianepsl
Adaiane pereira
Sobre os temas abordados, eu achei muito rico e foi bem desenvolvido em toda história, além do mais todos os temas são tão atuais, desde o racismo, o Lgbt, a desigualdade, etc.
Então super indico a leitura ou a série.
@adaianepsl
Evelin Danieli
Ainda não li o livro ou assisti a série, mas me parece muito interessante. Fiquei muito curiosa para saber quais são os pequenos incêndios que acontecerá nessa cidade aonde tudo até então é perfeito. Com certeza um livro que nos faz refletir e com a abordagem de temas super importante, como aborto e racismo. Gosto muito de livros que vai do passado ao presente. Suas fotos ficaram lindas, me imaginei no próprio cenário do livro.
@evelindanieli357
Mayara da Silva Esteves
Eu só fiquei com vontade de ler o livro e assistir a série depois que vi a premissa no seu ig e entendi do que se tratava e o porquê por trás do nome. Por se tratar de assuntos que me interessam muito, vai para o topo da minha listinha.
Ana Clara
Adoro visitar e ler os conteúdos desse blog! Amo!
Monique Larentis
Nossa, que post completo, adorei saber tudo, desde a história, até as curiosidades e a série. Aliás, já tinha ouvido falar do livro, mas nunca tinha ouvido falar que tinha a série. Muito interessante!
http://www.vivendosentimentos.com.br
Retipatia
Oi Monique!
Ah que bom em saber! E a série é nova, lançou em maio na Amazon e tá incrível, vale dar chance para os dois! ❤
Obrigada pela visita!
xoxo
Rê
Camila Marchetti
Olá! Eu já tinha ouvido falar da série, mas não do livro, parece uma história bem interessante!
As fotos do posts estão incríveis, adorei!
Beijos
Retipatia
Oi Camila!
Ah a série também é incrível eu vou sempre recomendar ler o livro e assistir a série! ehehe São incríveis e ainda dá pra se surpreender com ambas! Obrigada, feliz que tenha gostado!
Obrigada pela visita!
xoxo
Rê
Erika Monteiro
Oi Rê, tudo bem? Ainda não li o livro mas a série me prendeu desde o trailer. Mesmo tendo algumas diferenças do livro o diretor conseguiu em poucos episódios trazer diversos questionamentos, várias reflexões. A questão do preconceito, da família perfeita, de manter as aparências, são situações que presenciamos na vida real. Espero ler o livro em breve. Um abraço, Érika =^.^=