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A Visita Cruel do Tempo ♥ Jennifer Egan

Resenha de A Visita Cruel do Tempo de Jennifer Egan, livro vencedor do Pulitzer, publicado em 2012 pela Editora Intrínseca.

A Visita Cruel do Tempo é um retrato sobre a vida. Ou sobre quando ela passa, segue e termina. Mas, especialmente, sobre as marcas cruéis que o tempo costuma deixar nela.

A Visita Cruel do Tempo (A Visit from the Goon Squad)
Jennifer Egan
Tradução Fernanda Abreu
Editora Intrínseca
2012 | 336 páginas
“É essa a realidade, não é? Vinte anos depois, a sua beleza já foi para o lixo, especialmente quando arrancaram fora metade das suas entranhas. O tempo é cruel, não é? Não é assim que se diz?”
Resenha de A Visita Cruel do Tempo de Jennifer Egan, livro vencedor do Pulitzer, publicado em 2012 pela Editora Intrínseca.
Sobre Jennifer Egan

Jennifer Egan nasceu em Chicago e cresceu em São Francisco. Autora do best-seller The Keep, publicou trabalhos em revistas como New Yorker, Harper’s Magazine, Granta e GQ. Por seus artigos de não ficção escritos para a The New York Times Magazine recebeu diversos prêmios jornalísticos. Vencedora do Galaxy National Book Awards 2011 na categoria Autor Internacional do Ano, Egan foi eleita uma das 100 pessoas mais influentes do ano de 2011 pela revista Time. A autora vive no Brooklyn com o marido e os filhos.

Sinopse de A Visita Cruel do Tempo

Bennie Salazar é um executivo da indústria musical. Ex-integrante de uma banda de punk, ele foi o responsável pela descoberta e pelo sucesso dos Conduits, cujo guitarrista, Bosco, fazia com que Iggy Pop parecesse tranquilo no palco. Jules Jones é um repórter de celebridades preso por atacar uma atriz durante uma entrevista e vê na última — e suicida — turnê de Bosco a oportunidade de reerguer a própria carreira. Jules é irmão de Stephanie, casada com Bennie, que teve como mentor Lou, um produtor musical viciado em cocaína e em garotinhas. Sasha é a assistente cleptomaníaca de Bennie, e seu passado desregrado e seu futuro estruturado parecem tão desconexos quanto as tramas dos muitos personagens que compõem esta história sobre música, sobrevivência e a suscetibilidade humana sob as garras do tempo.

Resenha de A Visita Cruel do Tempo de Jennifer Egan, livro vencedor do Pulitzer, publicado em 2012 pela Editora Intrínseca.
A Visita Cruel do Tempo

Talvez esse seja um dos livros mais complicados de se falar a respeito. Já tive um problema aqui e acolá para conseguir falar de algumas histórias que mexeram muito comigo ou com outras que, de outro lado, incomodaram. Seja como for, o caso aqui é novo. Porque A Visita Cruel do Tempo é um ponto fora da curva.

Primeiro, a narrativa. Ela não é linear, não segue um padrão, passamos de primeira para terceira pessoa, cada personagem narrando os eventos à sua maneira. Pode ser através de uma carta ou de slides, já que temos um capítulo inteiro narrado desta maneira, sem, contudo, perder o ritmo da prosa da personagem e do livro. A mensagem é entregue com louvor e isso, graças à Egan, que se reinventa a cada parcela de história que conta.

“Eu estou sempre feliz – disse Sasha. – É que às vezes eu esqueço.”
“Estou aprendendo isso aqui em Nova York: não dá para ter a menor ideia de como as pessoas são. Não que elas
tenham duas caras… Elas têm, sei lá, personalidade múltipla.”
“O mundo na verdade é imenso. Essa é a parte que ninguém consegue explicar totalmente.”
“Não sei dizer se ela é realmente sincera, ou se parou de se importar se é sincera ou não. Ou será o fato de não se importar que torna uma pessoa sincera?”
“Os integrantes do safári de Ramsey ganharam uma história que irão contar pelo resto da vida. Esta fará alguns deles, anos mais tarde, procurarem os outros no Google ou no Facebook, incapazes de resistir à fantasia de realização de desejos que esses sites oferecem: O que terá acontecido com…? Alguns deles irão se reencontrar para trocar lembranças e se maravilhar com suas respectivas transformações físicas, que parecerão deixar de existir com o passar dos minutos.”

O livro vai seguir alguns personagens centrais como Bennie, Sasha, Jules, Lou e Stephanie. Ainda assim, dificilmente serão eles próprios a narrarem suas histórias, há uma gama inteira de personagens que os circundam e que interligam a teia que compõe o todo. Através de uns descobrimos mais de outros. A princípio, esse ponto pode causar confusão no leitor, mas aos poucos, a história, o todo, cada uma das personagens, entra em uma sintonia desregrada e já sabemos quem é quem, por mais que suas histórias possam desconexas entre o começo, o meio e o fim.

Uma das personagens, Sasha, a que tem uma vida das mais contrastantes, inicia o livro num capítulo fluido e intenso. Suas memórias se mesclam à sua consulta no terapeuta que é descrita e entramos tão fundo na narrativa que esquecemos que a própria personagem – ou nós mesmos junto à ela – está deitada no divã rememorando seus problemas. E, em sintonia perfeita ao início da história, que representa o de todas as histórias sem ser, exatamente, o começo dos personagens, o livro se encerra como um ciclo perfeito. Um ciclo perfeito da cruel visita que o tempo faz a cada um deles – de nós.

“Em alguns dias, de manhã, do lado de fora da minha janela o sol parece falso. Fico sentada à mesa da cozinha jogando sal nos pelos do meu braço e uma sensação me sacode por dentro: acabou. Tudo passou sem mim. Nesses dias, sei que não devo fechar os olhos por muito tempo ou então a diversão vai começar para valer.”
“A realidade era a seguinte: se nós, seres humanos, somos máquinas de processamento de informações que leem xizes e zeros e traduzem essa informação naquilo que as pessoas com tanta emoção chamam de “experiência”, e se eu tinha acesso a toda essa mesma informação graças à TV a cabo e a todas as revistas que folheava na banca Hudson News por períodos de quatro a cinco horas nos meus dias de folga (meu recorde eram oito horas, incluindo os trinta minutos que passei no caixa durante o intervalo de almoço de um dos funcionários mais novos, que pensou que eu trabalhasse lá) – se dispunha não apenas da informação mas do talento para moldar essa informação usando o computador que tinha dentro da cabeça (computadores de verdade me davam medo: se você pode encontrá-Los, Eles podem encontrar você, e eu não queria ser encontrado), então, tecnicamente falando, eu não estava tendo todas as mesmas experiências daquelas outras pessoas?”

A beleza da história está onde o título denuncia: na visita cruel que o tempo faz a cada um dos personagens. As vidas parecem seguir um determinado rumo quando os conhecemos e, às vezes, no capítulo seguinte, já não é mais daquela maneira. Separado em A e B, o livro traz dois lados da mesma história. Quase como lados A e B de um cassete. Separados, mas em sintonia com o todo. O que mudou de um ponto ao outro, o meio do caminho, é composto das decisões e escolhas de cada um. Dos passos que deram.

O livro ainda é capaz de despertar os sentimentos mais controversos sobre cada um dos personagens, já que a linearidade de suas vidas não é seguida e, nem sempre, todos os lados de uma história são revelados. Cada descoberta pode gerar desconforto, revolta, compreensão, descrença. E vemos o peso dos dias corroendo os atos cometidos e os resultados de tudo isso aglomerados no lado B de suas vidas, nos seus dias futuros.

“Eles eram jovens, tinham sorte, tinham força – por que se preocupar? Se não gostassem do resultado, podiam voltar e começar tudo de novo. E agora Bosco estava doente, mal conseguia andar, e planejava de maneira febril a própria morte. Seria esse desfecho uma aberração monstruosa da realidade, ou seria normal – algo que eles deveriam ter previsto? Será que de alguma forma haviam provocado aquilo?”
“A gente vai se lembrar deste dia mesmo quando não se conhecer mais.”
“Vamos nos esforçar para ser sempre assim.” E nessa hora os seus pensamentos estavam tão sintonizados que Ted soube exatamente por que Susan tinha dito aquilo: não por terem transado naquela manhã ou bebido uma garrafa de Pouilly-Fuissé no almoço – porque ela havia sentido a passagem do tempo. E então Ted também o sentiu, na água escura que pulava, nos barcos que passavam depressa, no vento – movimento e caos por toda parte –, e segurou a mão de Susan e disse: ‘Sempre. Vai ser assim sempre.'”
Resenha de A Visita Cruel do Tempo de Jennifer Egan, livro vencedor do Pulitzer, publicado em 2012 pela Editora Intrínseca.

Tudo isso sem deixar de lado questionamentos que nós mesmos enfrentamos cotidianamente. Seja em relação à um relacionamento, a certo e errado, a confiança, seja em relação aos efeitos do mundo hiperveloz que se espalha através de conexões invisíveis. Qual a relevância de cada um nesse mundo, afinal de contas? A influência que cada um é capaz de exercer? Qual o momento exato para que um sonho se realize? O que precisamos fazer para alcançar? Não existem respostas claras e objetivas, é claro, mas falar sobre a vida não é uma assertiva de certo e errado e Egan deixa isso bem claro ao mostrar a visita do tempo na vida de seus personagens.

A leitura foi uma perfeita surpresa. Não apenas pelo enredo intrincado, narrativa fluida e diversificada, mas por apresentar a vida nua e crua, com personagens absurdamente realistas. Imperfeitos. Defeituosos. Perdidos, muitas vezes. Levados pelo tempo, pelas águas de um rio, pelas batidas de uma música, arrancados da trilha de suas vidas pela crueldade com o que o tempo pode vir a se apresentar. A verdade é que o tempo é cruel… mas nem sempre tão cruel assim.

Resenha de A Visita Cruel do Tempo de Jennifer Egan, livro vencedor do Pulitzer, publicado em 2012 pela Editora Intrínseca.
Aleatoriedades
  • O livro foi recebido em parceria com a Editora Intrínseca, e a escolha foi por indicação do namorado, que disse que a narrativa da autora merecia ser lida. E realmente, zero arrependimentos. Um livro que merece ser lido!
  • Quando fui à Bienal do Livro do Rio de Janeiro, que aconteceu no fim de agosto, início de setembro desse ano, já garanti outro título da autora. Ainda não havia terminado a leitura de A Visita Cruel do Tempo, mas a narrativa me cativou tanto que sabia que iria querer ler outro livro dela. Assim, Praia de Manhatan veio para casa e até participou dos cliques…
  • Para quem curte narrativas intensas como essa, em um romance com personagens marcantes, recomendo Vermelho por Dentro da Lunna Guedes!
A Visita Cruel do Tempo está disponível na Amazon, em versão física e em e-book!

Que a Força esteja com vocês!

xoxo

Retipatia
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Comente este post!

  • Tatiane de Araújo silva

    Esse livro parece ser bem complexo na forma como é escrito, mas pela sua resenha e pelos quotes traz muitos dilemas do nosso dia a dia ,e o que vc falou aqui, me fez pensar em como eu olho para trás.. para o tempo passado e me assusto, como minha vida já mudou, como sonhos se desvaeceram pelos anos que se seguiram, como metas não foram cumpridas, como escolhas anteriores moldaram meu futuro. Quero ler esse livro, vou seguir mais essa dica sua.

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    • Retipatia

      Oi Tatiane!
      Sim, acho que a trama tem um tom de complexidade, mas vai se desvendando a medida que avançamos na leitura, sabe!? É realmente uma história sobre o passar do tempo, nossas escolhas e tudo que advém dessas duas coisas. Foi realmente um exercício de olhar para trás e ver tudo que deixamos pelo caminho e tudo que conseguimos. O quanto mudamos. Espero que goste da leitura! <3
      Obrigada pela visita!
      xoxo

      responder
  • Samara Silva

    Adorei sua postagem de hoje, sempre estou aqui acompanhando seu blog. Tenho aprendido muitas coisas legais aqui e te agradeço por compartilhar…

    Beijos .

    Meu Blog: Dicas da Web

    responder