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O Fardo de Amar ♥ Lady Book

Resenha O Fardo de Amar de Lady Book, publicado pela Chiado Books.

Para Elena, o significado de amor, de amar, é carregar um fardo. Na sua história, de recomeço, de redenção, O Fardo de Amar poderá parecer muito pesado, mas será a chance para que ela cicatrize todas as feridas que a vida lhe deu. Para que, assim, o amor não seja fardo, seja simplesmente, amor.

O Fardo de Amar
Lady Book
Chiado Books
2019 | 518 páginas
“O amor pode chegar sem fazer qualquer som. Leve como a mudança das estações, mas inevitável como as ondas do mar.”
Sobre Lady Book

Lady Book é o pseudônimo de Ercídia Correia. Nascida em agosto de 1996 em Luanda, Angola. Ensinada desde muito cedo pela mãe a ler e gostar de literatura. A leitura mais tarde se transformou em escrita e já faz parte da sua vida diária. Seus passatempos favoritos são escrever, comprar livros e assistir séries.

Estudante de medicina e residente em Cuba temporariamente, escreveu o seu primeiro romance aos 15 anos. É em 2017 que estreia em Angola com o seu ousado Império, com a aguardada sequência lançada em 2018, Império vs Irmandade. O Fardo de Amar é seu terceiro livro e também estreia nos mercados literários português e brasileiro.

Resenha O Fardo de Amar de Lady Book, publicado pela Chiado Books.
Sinopse de O Fardo de Amar

Elena é uma adolescente provinciana. Vendida aos 16 anos pela própria mãe, a um homem vinte anos mais velho, ela se vê perdida num mundo novo. Agredida e abusada pelo seu marido constantemente. Elena não tem muitas opções de vida senão obedecer e ser submissa. Elena é criada pela mãe pra ser obediente, submissa e boa mulher. Ela sai das garras de uma mãe abusadora pra casa de um marido ainda mais abusador. Elena não comenta, sabe que é o sustento da família e nada pode fazer com relação a isso.

Até que conhece Gabriel, primo de seu esposo violento mas um homem cujo nome faz jus ao próprio anjo. Elena foge, deixando tudo pra trás, até o filho recém-nascido, se esconde até não haver mais aonde se esconder de Helson.

Passado anos, ela recebe ajuda e decide voltar pra enfrentar os seus demónios muito reais. Afinal, ela tem que salvar o seu filho da mulher causadora dos seus problemas. A mulher que deu a luz ao seu marido e evitar que o seu filho tenha o mesmo destino que ela, a violência deslavada.

Resenha O Fardo de Amar de Lady Book, publicado pela Chiado Books.
Helena de Tróia e Elena de O Fardo de Amar
Aviso: a leitura pode conter gatilhos. Violência doméstica, violência contra a mulher, estupro, abusos psicológico e físico.

Helena de Tróia, já ouviu falar nela? De beleza inigualável, dizem que foi a causadora da guerra que levou à ruína de Tróia. Bem, calma lá, a guerra aconteceu há mais de três mil anos e é difícil ter dados 100% seguros, mas reza a lenda que Helena de Esparta era casada com o Rei de Esparta, Menelau. Diz-se que sua beleza era tanta que, até seu pai finalmente dar-lhe em casamento à Menelau, havia muitos pretendentes, que juravam lealdade à ela e àquele que viesse a ser seu marido. Ou seja, Helena era muito disputada no rolê (por rolê, entenda, da Grécia inteira).

A questão é que Páris, um dos príncipes de Tróia, em uma visita à Esparta, foge com Helena. E daí a chama para a guerra que levaria anos e anos para terminar, fora acendida. E sim, essa é a história que irá terminar com um cavalo dado pelos Espartanos à Troia, o que acabou levando à destruição da fortaleza troiana.

Resenha O Fardo de Amar de Lady Book, publicado pela Chiado Books.

Detalhes históricos à parte e também da ideia romanceada da coisa toda que temos no filme Hollywoodiano com o Brad Pitt, Eric Bana, Orlando Bloom e Diane Kruger, intitulado Tróia (me abana com esses homens todos de saia ahaha), um ponto que podemos levar em consideração é: Helena de Tróia. Não é à toa que eu comecei a falar disso através dela. Imagina a carga que seria viver sabendo que dois impérios guerreavam por sua causa? Ou, de uma maneira mais crua: por que a culpa dos homens fazerem suas m*rdas acaba sempre recaindo sobre a mulher?

E agora você me fala, mas Rê, isso não é a resenha do livro O Fardo de Amar, o que Helena de Tróia tem a ver com isso? Calma, é agora que tudo se conecta.

O Fardo de Amar e sua Elena

Não apenas não estamos na Grécia como também não estamos há mais de 3 mil anos atrás. Mas a Elena da história que faz um intercâmbio entre Angola-Portugal-Brasil, é também uma mulher bonita. Que gera cobiça em Helson, um ricaço dono de uma rede de hotéis que compra sua virgindade quando ela tem apenas quinze anos. Como se isso não fosse grave e criminoso o bastante, ele também a compra de sua mãe, alguns anos depois, e a desposa.

Helson, tal como Menelau a beleza de sua esposa (e ela própria) como um prêmio, como algo conquistado. E a guerra que ele inicia não é porque Elena tenta fugir com algum príncipe, mas porque viver com ele significa ser obediente, significa satisfazer a todos os seus desejos. Afinal, significa submeter-se, física e psicologicamente, à violência. Um fardo proveniente da sua visão distorcida do amor.

Em O Fardo de Amar, Lady Book apresenta uma mulher cheia de marcas e feridas, muitas que precisam ser recuperadas, muitas em fase de cura. Elena passou por vários tratamentos para se livrar do fardo que o marido colocou nela durante os anos de casamento e agora tem uma missão importante, se reaproximar do seu filho, o único fruto do relacionamento abusivo ao qual ela sente falta.

Assim, iremos conhecer Elena, Dami, seu filho Damião de seis anos e que é um espírito leve e, sem dúvidas, nada parecido com o pai. E, além disso, todas as pessoas que envolvem o círculo próximo de Elena: sua mãe, irmãos; Gabriel, o primo de seu marido que a ajudou a fugir e Elizabet, sua sogra. Poderíamos chamar de demônio, mas talvez fosse injusto com qualquer demônio que se preze.

A História de Elena

Na primeira parte da história, encontramos Elena prestes a reencontrar seu filho e, aos poucos, também somos apresentadas ao seu passado, através de lembranças dos momentos que ela viveu com o marido abusador e também, no tempo após sua fuga, em que viveu no Brasil e iniciou o tratamento psicológico e psiquiátrico. Em seguida, acompanhamos sua vida no que não podemos descrever de outra maneira senão como as consequências de uma vida de abusos.

Nessa jornada, muito da realidade de uma mulher que fora abusada por anos e anos é demonstrada, não apenas através de Elena, mas também, por outras personagens da trama, assim como das outras mulheres vítimas de violência que Elena conhece durante seu tratamento. Aqui, um destaque para a história da Ana, que acaba se misturando à de Elena e trazendo desdobramentos para a história.

“Conheci essa sensação, impotência, falta de credibilidade, e raiva de si mesma, a vergonha de contar aos demais o que se passa conosco leva-nos a suportar coisas que ninguém devia aceitar, independentemente do seu sexo.”
(Abre parêntesis)

Sobre a Ana, preciso fazer um adendo, a parte da história me incomodou, porque me pareceu novelizada, fora do sentido de realidade que a obra, no geral, quer passar. A personagem Ana é menor de idade à época dos fatos, tem quinze anos e, apesar de serem apresentados alguns empecilhos habituais para que tais situações de abuso sejam cessadas, as tentativas feitas foram longe do suficiente. E, também, não levaram em consideração o envolvimento de profissionais da saúde que estavam cientes do fato e não tomaram as medidas necessárias.

Aqui, vou me valer do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que estipula até penalização para profissionais que forem silentes e não levarem os casos de suspeita ou confirmação às autoridades. Ainda mais quando chegamos à resolução do caso, que, além de colocar a menor ainda sob mais abusos, parecia cena de série barata da tevê. Destaco que esse caso em questão se passa no Brasil, daí citar o ECA, assim como por eu já ter trabalhado em órgãos que tinham ações voltadas tanto para mulheres em situação de risco como com crianças e adolescentes.

(Fecha parêntesis)

Elena então, acaba mudando muito da mulher que conhecemos nas primeiras páginas, até o fim do livro. Não apenas a jornada de se ver com respeito e carinho e entender que a culpa de sua situação não era dela. Mas de perceber e perdoar aqueles que estavam ao seu redor. Não foi, é claro, uma jornada fácil. E Lady Book conseguiu mostrar a importância do acompanhamento de profissionais para as mulheres que passam por esse tipo de situação, assim como de uma rede de apoio e a experiência compartilhada.

“A violência que sofremos não era por sermos as mais bonitas, as mais jovens, as mais inexperientes, as mais estúpidas. A culpa não era nossa. Mas então, de quem era a culpa?”
Resenha O Fardo de Amar de Lady Book, publicado pela Chiado Books.
A narrativa em O Fardo de Amar

A narrativa do livro segue breve, apesar do livro ter mais de 500 páginas, não é uma história que demoramos para ler. Apenas no início tive a sensação que houveram quebras desnecessárias na narrativa no momento de mudar a linha temporal, mas foi algo que foi superado ao longo da trama e algumas minúcias que achei um tanto quanto prolongadas, no texto em geral.

Além disso, foi bem estranho ver os diálogos com brasileiros falando português que não o nosso, teria sido uma dinâmica boa para o livro, e mais realista, que as falas dos brasileiros estivessem em português do Brasil.

Acompanhamos sempre a visão de Elena e, por mais que nem sempre concordemos com suas atitudes e receios, temos uma visão do que a motiva e das marcas que guardam. Com ela, com sua história, fica o importante lembrete de que caminhar só é muito mais árduo, muito mais sofrido.

Falando em caminhar só…

Uma das figuras-chave de apoio de Elena é Gabriel. Ela pode até chamá-lo de anjo e ele ter atitudes louváveis em vários momentos e ser o responsável por Elena conseguir colocar fim ao ciclo de violência pelo qual passava. Mas não posso passar pano para ele que, enquanto sofre por um amor não correspondido, é um canalha com sua namorada, Sira. Se ele era violento como seu primo Helson? Não, ele não batia, não fazia chantagem psicológica. Mas criou um relacionamento tóxico que ele mesmo alimentou repetidamente.

É, ninguém é perfeito… mas Elena não espera perfeição e seu caminho, antes trilhado na dor, a dor do fardo que ela acreditava ser fruto do amor, acaba se mostrando cheio de altos e baixos, com várias pedras pelo caminho. Mas se não podemos remover a pedra, podemos contorná-la. E é isso que Elena aprende, seu passado jamais seria apagado ou alterado, mas o seu agora, a vida que ela possui, as escolhas que lhe cabem fazer, essas ela sabe que são a chave para se libertar do seu fardo. E, uma vez que descobre isso, sabe que pode caminhar apenas com o amor, sem fardo algum.

“Eu carregava o fardo do amor do Helson enraizado nas minhas costas e gravado na minha alma. É isso que acontece quando permites que a pessoa que devia te amar e te honrar, te destrua e te quebra em mil pedaços incontáveis até deixares de seres tu mesma, perdes a tua própria identidade.”
Resenha O Fardo de Amar de Lady Book, publicado pela Chiado Books.

O Fardo de Amar está disponível em: Chiado Books | Amazon | Livraria Cultura | Livraria da Travessa | Martins Fontes Paulista

A dica para quem curte histórias de impacto e que abordam a violência contra a mulher, vou deixar duas leituras: A Mulher com Olhos de Fogo | Encontro de Marés

Que a Força esteja com vocês!

xoxo

Retipatia

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  • Angela Cunha

    Sabia que aqui iria entender muito mais sobre a ligação de Helena com Elena! E que ligação.
    Elena comeu o pão que o diabo amassou e dá uma dor ao ler tudo isso, pois ela retrata a vida de tantas mulheres, ainda.
    Mas parece ser também uma história sobre redenção, perdão e recomeços!
    Um amigo meu dizia que se você quer desejar o mal a uma pessoa, deseje que ela ame. Talvez o título do livro seja isso. O amor ser um fardo….(suspira)
    Já preciso muito ler!
    Beijo

    Angela Cunha/O Vazio na Flor

    responder
  • Tatiane

    Que livro intenso , as vezes evito livros assim por ficar angustiada e revoltada com os acontecimentos, como uma mãe pode vender uma filha… e o pior e saber que mt disso é uma realidadee que as marcas vai etar na pessoa o resto da vida , mas parece que o livro mostra o pinto positivo que com ajuda profissional vc pode conviver com essas marcas sem que ela destrua sua vida futura

    responder