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A Terra dos Loucos ♥ Honorário Batista

Resenha do livro A Terra dos Loucos, do  autor independente Honorário Batista, publicado em 2020.

A Terra dos Loucos pode ser uma distopia, mas consegue ser um espelho do mundo de hoje. Se você sabe sequer um pouco do que acontece no mundo ao se redor, será impossível passar incólume por essa leitura. A cada página a certeza é de que não apenas o conceito de sanidade é extremamente relativo, mas de que, permanecer são em um mundo louco pode ser tarefa mais difícil do que sobreviver.

A Terra dos Loucos
Honorário Batista
Publicação Independente | 2020 | 161p.
Disponível em Amazon (e Kindle Unlimited)
“Para que tudo isso se não consigo comprar minha sanidade, se perguntava a cada relance que dava nos objetos[…]”
Resenha do livro A Terra dos Loucos, do  autor independente Honorário Batista, publicado em 2020.
Sinopse de A Terra dos Loucos

Em um mundo no qual a loucura se propaga como uma peste, seis pessoas, unidas pelo único propósito de manterem suas sanidades intactas, enfrentam as mazelas de uma sociedade que, embora desigual e corrupta, renega seus privilégios e castiga, pela primeira vez, todos os indivíduos sem qualquer distinção de classe. No entanto, o famigerado senhor Montes, dotado de uma sorte tão grande quanto sua maldade e seu dinheiro, sempre muitíssimo mais preocupado consigo mesmo do que com os outros, traz a narrativa um caráter fúnebre e amedrontador, que supera em grande escala o tão justificável medo da insanidade.

Resenha do livro A Terra dos Loucos, do  autor independente Honorário Batista, publicado em 2020.
A Terra dos Loucos
Alerta de gatilhos: violência, assassinatos, abusos físicos e mentais, abuso sexual, estupro.

Para você, o que é ser ou estar são? A ideia nem sempre permeia nossos pensamentos diários. Talvez surja diante de uma calamidade, de alguma notícia que ultrapassa o nosso entendimento. Mas, no fim das contas, o que realmente é ser são? Ou, na hipótese mais simples, como saber se você está são?

Essa ideia é um dos fios condutores de A Terra dos Loucos, do autor Honorário Batista. Na trama, o mundo está passando por um apocalipse: tal qual nos filmes em que doenças assolam a maioria da humanidade, aqui, algo inominável e invisível torna as pessoas insanas. Movidas por seus instintos mais básicos, a brutalidade, a fome, a disputa, tudo isso se torna seus propulsores. Alguém que não tem regras de decoro, sociais, cidadãs, morais, religiosas ou legais a nortear seus atos, como seria que alguém assim agiria? A Terra dos Loucos nos oferece uma versão disso. E ela é rude, cruel e, especialmente, um reflexo do que é o ser humano.

Resenha do livro A Terra dos Loucos, do  autor independente Honorário Batista, publicado em 2020.
“A princípio as pessoas pareciam não acreditar no que ouviam, Será mesmo necessário, ou, Devem estar exagerando, eram as formas mais corriqueiras de cidadãos comuns demonstrarem suas ideias. O que começou como um fenômeno isolado e sem nexo, tornou-se agora um verdadeiro caos que interferiria, de uma forma ou de outra, na vida particular dessas pessoas.”

Enquanto o surto assola a humanidade, iremos acompanhar a história de Ignácio Montes da Silva, que está vendo o mundo ao seu redor sair do seu poder de controle e, claro, não está nem um pouco satisfeito com isso. Ignácio está habituado a comprar tudo o que deseja e nisso se inclui o que ele acredita merecer, desde respeito à companhias e luxos. A bem da verdade, é que ele é intolerável, intragável. Não apenas por se ver melhor do que qualquer outra pessoa, por entender que qualquer um em posição social abaixo da sua é também inferior à ele, mas por cometer crimes os quais geram, no mínimo, repugnância.

Mas guardemos Ignácio por um tempo em sua cobertura sofisticada. Com as notícias sobre a praga surgindo em uma época que ainda existe acesso à comunicação moderna, como televisão e rádio, um dos fatores apontados como auxiliar a impedir que a pessoa seja acometida pela loucura é a de permanecer entre outras, não ficar só. A ideia é algo a qual Ignácio apenas aceita porque preza sua própria vida acima de qualquer coisa (e qualquer pessoa). Assim, ele decide abrigar outros residentes do prédio de luxo em que vive, e ajudar a manter a praga afastada de si.

Resenha do livro A Terra dos Loucos, do  autor independente Honorário Batista, publicado em 2020.
“O medo fizera, na verdade, com que medidas tão drásticas fossem tomadas: pessoas lutam todos os dias para não ficarem loucas com suas rotinas pesadas e as engolidas de sapo, com as desilusões amorosas e as decepções sofridas; em função disso vemos esse desespero e essa cautela incomum nos seres humanos.”
Resenha do livro A Terra dos Loucos, do  autor independente Honorário Batista, publicado em 2020.

Então surgem figuras como o homem do décimo segundo e a família do quarto andar e outros mais. E, a partir daí, a convivência é parte daquilo que se espera, um arrulhar de egos, de desejos, de brigas, de luta pela sobrevivência a todo custo. A escassez de alimentos, as dificuldades não demoram a surgir. E, como bom predador de si que é, o homem é capaz de cometer qualquer atrocidade sob a justificativa da sobrevivência. E isso é mostrado não apenas através do microcosmo que se têm na cobertura de Ignácio, como também no mundo ao redor que se desmantela.

Quando a esperança surge através de uma mensagem de rádio, esses personagens partem em busca de um lugar em que realmente possam sobreviver. Um que não seja mero campo de batalha prestes a incendiar. Uma nova jornada se inicia e, com ela, mais camadas da insanidade vão sendo desveladas.

Resenha do livro A Terra dos Loucos, do  autor independente Honorário Batista, publicado em 2020.
“[…]caos fazia com que as pessoas desejassem mais sobreviver do que enriquecer, o que as torna iguais, exatamente como vieram ao mundo.”
Caminhando pela Terra dos Loucos

A Terra dos Loucos é o tipo de leitura que não se encerra na última página. É impossível sair incólume dela. O que mais assusta, como uma boa distopia costuma ser capaz, são os atos dos sãos, daqueles que estão dispostos a absolutamente tudo por uma sobrevivência precária e, muitas vezes, efêmera.

A narrativa nos leva sempre pelo ponto de partida de Montes. Ele é quem a move, ainda que não tenha, exatamente, controle sobre tudo o que o cerca. Desvendamos parte de quem ele é e, ao retirar a máscara transparente que ele insiste em usar, a imagem é assustadora. Estarrecedora. Traz ojeriza. E, ainda assim, permanecemos com ele e vemos qualquer ideia de limite ser ultrapassada. Não porque ele quer apenas sobreviver a todo custo, mas entende que tudo que toma para si, é seu por direito, seja algo ou alguém.

“O que mais dói é ver que um homem tão desprezível e bárbaro como Silva permanece imune à violenta peste que assola a humanidade, além de ser um dos mais privilegiados dentre os remanescentes.”
Resenha do livro A Terra dos Loucos, do  autor independente Honorário Batista, publicado em 2020.

Falando ainda da narrativa a prosa é intensa; o narrador, enquanto traça os passos da história, rememora, traz lembranças e faz ponderações, observações. Às vezes, quase sem respiro, discorre sobre fatos e os relaciona ao nosso mundo, lembra do passado do personagem, de seus atos atrozes e reitera o quão vil eles são. Em longos trechos e parágrafos, segue dissecando Montes. E mesmo de máscara no rosto, é difícil não sentir o odor de sua carniça.

Um pequeno adendo, outra história que me recordo de ter esse estilo narrativo alongado, com construções de parágrafos bem extensos, foi a de Pssica, do autor Edyr Augusto. Mas vale destacar também que são estilos diferentes em outros aspectos, já que Augusto é econômico em descrições e vai direto aos atos; enquanto Batista nos leva para uma imersão à sua maneira, com passagens quase pomposas, mas compreensíveis. Fica a ressalva de que leitores ávidos para uma história “direto ao ponto”, podem não se dar muito bem com a narrativa.

Resenha do livro A Terra dos Loucos, do  autor independente Honorário Batista, publicado em 2020.
“Para os quatro, viver já não faz mais sentido, mas, talvez, morrer faça menos ainda, por isso lutam pela migalha que os mantém de pé.”
Resenha do livro A Terra dos Loucos, do  autor independente Honorário Batista, publicado em 2020.

Considerando a situação atual em que vivemos com a pandemia da covid19, é tarefa impossível não pensar em um paralelo com A Terra dos Loucos. E, por isso, ideias como a banalização da morte, de abusos, do medo, do sofrimento, a visão da própria vida como descartável, estão tão presentes na história, quando aqui, no mundo dos sãos (?). As críticas que se alastram na história indo por vários lados de uma pandemia, desde a gestão governamental até o comportamento social e econômico, é espelho de nossa realidade e, por isso, assusta.

A inegável constatação de que o homem ainda é seu pior inimigo – afinal, como afirmou Hobbes, o homem é o lobo do homem – salta das páginas, tal qual ecoa no reflexo que é o mundo que chamamos de real.

Resenha do livro A Terra dos Loucos, do  autor independente Honorário Batista, publicado em 2020.
Aleatoriedades

O livro A Terra dos Loucos foi recebido em parceria paga (publicidade) com o autor Honorário Batista. Aliás, vale lembrar que o conteúdo produzido não tem interferência pelo fato de ser patrocinado, você irá encontrar a sinceridade de sempre por aqui. 😉

As ilustrações que estão nas fotos são de Harry Clarke, artista que compunha vitrais e ilustrava livros, e que foi uma figura marcante para o movimento arts & crafts. Suas obras são conhecidas por serem enigmáticas, melancólicas, sombrias e marcantes, ao mesmo tempo que costumam retratar a dualidade entre o bem e o mal (tem mais informações sobre o artista em Galeria Clarke de Suspense e Mistério). Os Funko Pop são da linha da série Hannibal: Wendigo e Will Graham.

Por último, dica de mais uma história com um mundo apocalíptico, com pessoas perdendo a sanidade, recomendo também Caixa de Pássaros do Josh Mallerman.

Que a Força esteja com vocês!

xoxo

Retipatia
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  • Angela Cunha

    O homem ainda é seu próprio inimigo. Não há maior verdade do que essa.
    Incrível como o autor conseguiu reunir no livro não somente as dificuldades de cada personagem, mas o medo de cada um deles.
    A banalização da morte, o colocar os outros em risco o tempo todo, o medo, a insanidade mental que nos assombra a cada novo dia.
    Tudo é real demais e sim, eu preciso muito ler!!!
    beijo

    Angela Cunha/O Vazio na flor

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