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Conto ♥ Halfway |
Leia ouvindo: Drink-Me – Anna Nalick Que me perdoem aqueles que detestam o estrangeirismo, mas não há palavra que melhor descreva o sentimento ou a sensação. Numa trilha que só se pode seguir para dois planos, um que habitualmente chamamos de mundo real e o outro, para o qual não há melhor denominação do que país das maravilhas, encontro-me, exatamente, halfway. Se preferir, entenda como ‘a meio caminho’, mas não é exatamente o que quero dizer, se é que você me entende. Ou talvez não entenda, exatamente porque você encontra-se, deliberadamente, em algum lugar e, não, halfway. Meus All Stars azuis param bem ao lado das roseiras e as observo com minúcia. É possível perceber as imperfeições na tinta vermelha. Pequenos pontos, descascados, ranhuras que mostram sua verdadeira cor. Não desejava nenhuma delas, ou nada delas, por isso sigo em frente. O sol do outono aquece minha pele e meus cachos volumosos fazem aquela sombra desconexa no chão de ladrilhos. Já perdi a conta dos meus passos quando ecos soam em meus ouvidos. Não são abafados e densos como o som que meus tênis produzem. São do tipo que nenhum sapato que eu conheço faria. Estaco no chão, o coração agora palpitante, martelando as costelas em resposta ao excesso de adrenalina. Meu corpo gira, meus pés mais lentos do que o corpo, me fazem cambalear e aparar nas roseiras que ladeiam o caminho. Exclamo abafado pela dor, segurei com força em vários espinhos. Mas não há ninguém me seguindo, tampouco, ninguém à vista. Apenas eu e as gotas que agora brotam vermelhas na palma da mão. Loucura da minha cabeça, agora meus ouvidos me pregam peças também. Pego um lenço de papel dentro da bolsa e seguro sobre os pontos vermelhos em minha mão. Novamente, passos. Ocos, soltos e estranhos. Quem pode ser? Os pés são mais espertos dessa vez e giram antes do corpo, mas não há nada, nada e nada para lado algum. Sendo sincera, não sei exatamente que nada é esse. Onde é esse nada em que estou? – Está perdida? Meu coração pula duas ou três batidas. Uma voz soa logo atrás de mim e, muito provavelmente, mais perto do que deveria. Perto demais, sutil demais. Me viro novamente. Ou de novo do qual estava antes para o lado que suponho ser o qual estava indo. Um rapaz está sorrindo para mim. Não há nada de estranho em sua aparência, veste jeans e All Stars. Assim como eu. Mas há algo em seu sorriso que diz que ele sabe de algo que eu certamente desconheço. Suas mãos estão dentro dos bolsos da calça e ele aguarda uma resposta minha, seu sorriso já sem sorrir, de fato. – Não, estou… – Não consigo me lembrar exatamente para onde estava indo. – … bem. – Termino a frase com o remendo que vem à mente. – Claro, precisa de ajuda? – Ele aponta para minha mão. O lenço está cheio de manchas avermelhadas agora. – Não, estou… – Tento pegar outro lenço na bolsa e acabo derrubando-a no chão. – … bem, eu imagino. – Ele completa mina frase sorrindo, pegando meus pertences que começaram a rolar para todos os lados. – Obrigada. – Qual seu nome? – Ele pergunta, me entregando a necessaire repleta de desenhos de cartas...
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