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Conto ♥ Blue Bayou |
Sugestão de música: Blue Bayou – Linda Ronstadt Encarando meu reflexo no espelho, tento arrumar meus cabelos. Estão loucamente amassados em todas as direções possíveis. Meus olhos indicam o quanto não dormi, estão avermelhados e há olheiras logo abaixo deles. Talvez seja melhor mesmo que ele não esteja em casa quando eu chegar, assim não precisará me ver nesse caos. Lavo minhas mãos no lavado e encaro a água correr por alguns instantes. É engraçado como algumas coisas diminutas parecem importantes, sem o menor aviso prévio. Ele já me viu em situações bem piores do que algumas olheiras e cabelo bagunçado, afinal de contas. Volto para minha poltrona, ainda tenho mais uma hora de voo ao lado de um roncador profissional. Como ele conseguiu dormir por mais de dez horas seguidas? E, claro, roncar durante todas elas. Deixo o livro que estava lendo de lado, meus olhos muito cansados para isso, então, coloco os fones para ouvir música. O tempo acaba passando mais rápido do que eu imaginei e, quando percebo, já estou ao lado da esteira, pegando minha bagagem. Vamos eu a mala nos arrastando em direção à saída e vejo meu irmão falando ao celular. Ele está sério, provavelmente são negócios. Mas ele anda sério assim há muito tempo. Seu olhar encontra o meu e ele esboça o que ele deve imaginar ser um sorriso. É só a sombra de um, na verdade. – Oi, irmãozinho. – Gael sempre detestou que eu o chame assim, somos gêmeos, mas sempre me senti como sua irmã mais velha, é inevitável que eu use essa expressão. – Oi Gabi. – Ele me abraça de um jeito demorado demais e sei bem a razão. É como das incontáveis vezes que o abracei depois de ele ter o coração partido. O que me preocupa é que já fazem quase dois anos e seu estado de espírito ainda é o mesmo, quebrado. – Como você está? – Eu pergunto, segurando seu rosto entre minhas mãos. – Bem. Como foi a viagem? – Já desviando o assunto. – Foi perfeita, na verdade, todo esse tempo foi… Foi… – Meu olhos já estão marejados e respiro fundo. Ainda não estou pronta para falar de tudo, na verdade. Gael me aperta junto de si mais uma vez. – Você deve estar cansada, vamos embora daqui? – É o jeito dele de dizer, “leve o tempo que precisar“. Eu assinto e vamos arrastando agora eu, Gael e as malas. Todos juntos e inseparáveis. – Então, não vai me falar absolutamente nada? – Eu pergunto finalmente, quando já estamos no carro, Gael dirigindo concentrado demais. E, absurdamente, não há nada tocando no som do carro, nenhuma daquelas enjoativas músicas do The Carpenters. – Exatamente sobre o que? – Ele me pergunta, com um leve sorriso e olhando rapidamente em minha direção. – Eu fiquei treze meses fora, Gael. E você está parecendo que levou um fora há poucas horas atrás. Quem é a culpada, é só dizer que eu dou um jeito nela! – Falo, batendo minha mão direita fechada em punho na palma da esquerda e no tom provocador de quem faz luta desde as fraldas e batia muito no irmão. Quando éramos crianças, é claro. – Não há ninguém, Gabi. – Ele ri da minha expressão e faz uma cara engraçada, mas é passageiro seu divertimento. – Isso quer dizer que é a loira poderosa? – Me esforço para manter o sorriso na...
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