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Conto ♥ Sincronia |
Sugestão de música para acompanhar a leitura: Lucky – Aurora A vida é sempre certa no que ocorre, pode não parecer a princípio ou mesmo nunca entendermos como e por quê tais coisas ocorreram. Mas tudo ocorre quando precisa ocorrer. Se nos pareceu que demorou muito ou pouco, aí a conversa é outra. O entendimento de cada um é pessoal, subjetivo. A questão é que, no fim das contas, as coisas fluem como devem. Ligo o chuveiro com certa dificuldade, a torneira está dura demais para minhas mãos e parece que todo meu corpo precisa trabalhar para girá-la. Com a mesma rapidez que a água enche minhas mãos juntas em concha, ela se esvai por elas, num ciclo infinito que não parece ter início ou fim. O conhecimento de que é impossível contê-la por completo não me impede de tentar fazê-lo. Abro os dedos e deixo que desça pelo ralo. Fecho as mãos mais uma vez e, agora, jogo a água acumulada em meu rosto, sua temperatura quente fazendo meu corpo inteiro se aquecer. Assim que termino o banho, sigo para meu quarto, o armário range a porta ao abrir, e escolho aquele vestido de flores que Malu tanto gosta. Ela sempre elogia quando estou vestindo e há um bom tempo que eu sequer me preocupava com o que iria vestir, não importava muito. Talvez hoje ainda não importe. Pego o estojo de maquiagem e começo a passar lentamente o pó em meu rosto, o rímel e o batom. Com todo o tremor de minhas mãos, é impossível que fique perfeito, mas essas são duas coisas as quais já me acostumei. O telefone toca e vou até o criado-mudo para atender, mesmo já sabendo o que irão me falar na outra linha. Meu desejo de estar lá não foi ouvido, assim como não recebi nenhuma ligação avisando que ela iria para o hospital. Mas, tem coisas que não precisam ser ditas, apenas sabemos. – Alô? – Mamãe! – A voz de Malu está embargada pela emoção e consigo imaginar sua expressão nesse exato momento. – Oi, minha filha! – Eu falo, já me emocionando. – Nasceu, mamãe! É uma menina, mãe! Uma menininha! – Ah, eu estarei aí em breve, Malu, não se preocupe! – Mamãe, sabe que não pode sair, estarei em casa no fim do dia, ao que parece e o Felipe pode ir buscá-la. – Posso pegar um táxi, querida, não há problema. – Eu falo, mesmo já sabendo qual será sua resposta. – Mamãe, por favor. Vou ficar muito preocupada em pensar você vindo até aqui. – Isso porque ela sequer sonha que eu mandei a enfermeira embora. – Filha, preciso ver minha neta hoje e você também. – Então eu vou pedir que Felipe a busque mais tarde, tudo bem? – Ouço a voz de Felipe do outro lado da linha dizendo exatamente o que Malu disse, segundos antes. – Tudo bem, eu ficarei esperando. – Respondo, para que ela me dê sossego. – Obrigada, mãe. Ele irá no fim do dia, ok? – Tudo bem. Coloco o telefone no gancho e o encaro por alguns segundos. Nem em mil anos eu vou esperar esse ‘mais tarde’. Não quero esperar e, depois, não quero que Felipe precise sair do lado de Malu. Pego o telefone e disco o número do táxi. Assim que desligo, fecho as janelas da casa...
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