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Conto ♥ Carnis Levale |
Atenção: conto com indicação 18+ A despeito da vida, a dança é o tipo de coisa que, invariavelmente, não funciona quando duas pessoas tentam conduzi-la concomitantemente. Em vários outros aspectos essas duas se encontram: precisam de sincronia, ritmo e sentimento para serem boas, bem feitas, bem executadas, bem relacionadas, bem escutadas e bem sentidas, por assim dizer. Por mais que possa parecer que a vida e a dança são tão similares, já que possuem tantos aspectos em comum, não, elas não o são. Dançar exige algo que a vida não exige, o parceiro certo. E, nesse caso, a dança de assemelha bem mais do sexo do que da vida. Não dá para que os dois os conduzam, já disse isso. Afivelo meus sapatos e me encaro por alguns instantes no espelho. Meus lábios rubros dão destaque ao tom de minha pele e representam a única cor forte em todo meu reflexo. Impecável. Posso ficar impressionada com meu próprio reflexo? Bem, é uma época de luxúria, não vejo porque não. Visto meu casaco pesado e longo, que não deixa sequer uma parte do tecido preto do vestido à vista, melhor assim. Ainda pela visão do espelho, vejo Gui deitado na cama, já em sono profundo. O bilhete que ele me deixara no espelho está com sua caligrafia fina e bonita, “quebre a perna“, seguido de um “amo você“. O recado me lembra que ainda estou de aliança. Retiro-a do meu dedo e coloco dentro da gaveta de joias. Do lado de fora, a limusine já me aguarda, a porta aberta e um motorista tão discreto que mal olha em minha direção. – Obrigada. – Agradeço quando ele oferece a mão para que eu entre no veículo. O trajeto é um pouco longo e a ansiedade que somente este momento me reserva é surreal. Como se uma vez no ano eu pudesse mostrar a desconhecidos o verdadeiro fogo que me consume diariamente. Claro que ficam agradecidos de ver todo o meu fogo, mas ele se restringe à uma dança e, para onde estou indo, isso é o mínimo. É quase nada, na verdade. Posso dizer que a experiência é mais revigorante para mim do que para eles. Paramos na entrada de um prédio alto e sóbrio, linhas futuristas encontram a dureza do mármore, em tons claros que, à noite, parecem banhados de ouro. A construção em si é sensual e faz o significado de ostentação ser redefinido. Prendo a flor que estava à minha espera em meus cabelos e amarro a máscara em tons dourados, que a acompanha. Logo em seguida a porta da limo é aberta. O concierge de sempre, de todos esses anos, me recebe com seus sorrisos. – Senhorita. – Ele me cumprimenta, curvando a cabeça. – Boa noite, Matteo. – Ficará conosco toda a noite, desta vez? – Ele sorri. – Sabe que não. – Respondo sucintamente, mas não deixo de sorrir do padrão de nossa conversa. – Poderia aproveitar a fiesta. – Eu o farei, à minha maneira. Ele apenas sorri, retirando meu casaco e entregando à uma jovem bonita que aguarda próximo à entrada do saguão do prédio. As portas do elevador se abrem e entramos. A subida segue até o último andar e, quando as portas voltam a se abrir, sei que cada centavo pago fora...
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