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Um Conto de Halloween |
Minhas mãos estão tremendo e meu coração bate acelerado. Nada, em toda minha vida, me prepararia para o que está prestes a acontecer. Ele me encara com a aparência tenebrosa, sedenta. Dou passos trêmulos para trás, mas parece que meus pés foram feitos de concreto e é difícil para meu corpo conseguir movê-los. Ele se adianta, e jogo tudo que está ao meu redor em seu caminho. Abajur, telefone, empurro a poltrona, jogo quadros. Mas ele pisa em cada uma dessas coisas como se não fossem nada, como se nada representassem em seu caminho. Minha voz se foi, não consigo emitir um som sequer e, mesmo minha boca aberta não faz diferença alguma. Os pelos da minha nuca estão arrepiados e consigo enfim chegar à porta de saída. Com os olhos grudados na criatura, que se arrasta lentamente, apenas para prolongar meu desespero, tateio a madeira em busca da maçaneta. Mas, não há maçaneta ou qualquer outra forma de abrir a porta. Eu bato com tanta força nela que meus dedos latejam de dor. A criatura agora está a poucos centímetros de mim. Janelas. Posso sair por uma delas. Vou em direção à janela mais próxima da sala e tento abri-la. As pessoas passam na rua despreocupadamente, pedindo doces de porta em porta. Crianças fantasiadas por todos os lados. A janela está emperrada, não consigo abrir. Pego o pequeno aparador e jogo no vidro da janela, que logo se estilhaça. Mas, com a mesma rapidez que ele se estilhaçou, cada pedacinho de vidro se junta novamente, formando um vidro sem uma rachadura sequer. – Não, não… – São as primeiras palavras que saem de minha boca. Bato com força no vidro, pedindo ajuda para as pessoas que vão de um lado ao outro. Mas é como se minha casa sequer estivesse lá. Sinto um frio enregelar meus pés e olho para baixo. A criatura esquálida está se agarrando à eles. E uma cortina de fumaça densa e pesada me prende ao chão. Não consigo sair de onde estou. A sensação da criatura se agarrando a mim, sugando minha energia, meu calor, é sufocante. Bato com mais força e desespero na janela, mas ninguém me ouve ou sequer olha nessa direção. Continuo batendo até que meus pulmões estão tão pesados que parece que estou afogando. Já não vejo metade dos meu corpo, não consigo me mover. Minhas mãos estão presas. O ar está esvaindo-se e, quando toda minha visão fica turva e não consigo mais ver absolutamente nada. A dor já faz parte do meu corpo. E então, nada. Absolutamente nada. Não sinto nada, não sinto cheiro algum. Não respiro. Não penso, não falo. Abro meus olhos e estou sentada em frente à televisão, que passa Abracadabra. O barulho das crianças na rua pedindo doces e correndo por todos os lados ecoa pela sala, cantando a música: A lareira continua acesa, refletindo com suas chamas sombras em todos os cantos. A campainha toca, mas não me assusto. São apenas as crianças, digo para mim mesma. Pego o cesto que enchi de balas e abro a porta. Uma menina vestida de bruxa, um menino de Harry Potter e uma garota vestida de ‘irmã mais velha’. Entrego os doces e as crianças saem sorridentes. Fecho a porta com um sorriso brincando em meus lábios. Um novo começo é sempre assim, aterrorizador, até que, em memória, parece simplesmente,...
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