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Muiraquitã – Emerson Braga

Parecem fatos abstratos, narrativas devaneadas, mas são, em verdade, transparência da realidade que reverbera nas vidas femininas do mundo. Cada conto, uma marca a mais em uma alma, um muiraquitã a menos é feito.

Muiraquitã

Autor Emerson Braga

Scenarium Plural Livros Artesanais

“Daquele dia em diante não viveriam mais em um mundo de leis escritas em pedra, prefeririam canções.” ana e a bicicleta

Sobre o Autor

Emerson Braga nasceu em 12 de agosto de 1976, é brasileiro e natural de Fortaleza, no estado do Ceará. Nos primeiros anos de sua vida, teve problemas de aprendizado. Não conseguia ler ou escrever coisa alguma, o que se tornou motivo de muita infelicidade. Empenhou-se tanto na conquista de sua alfabetização que a palavra acabou por ganhar importante significação em sua vida. Adquirido o conhecimento, ainda aos sete anos de idade, escreveu seu primeiro conto: A Praia Ruim. Cursou Letras na UECE (Universidade Estadual do Ceará) e hoje trabalha no Sindicato dos Corretores de Seguros no Estado do Ceará, SINCOR/CE. Tem vários trabalhos literários publicados, inclusive sua primeira antologia de contos.

Sinopse

Muiraquitã é um livro de contos escrito como se o autor se apoderasse de bilros, movimentando-os de maneira a compor essa deliciosa trama, onde os personagens — todos femininos — são uma espécie de fino fio trabalhado à mão, entrelaçados de maneira a formar desenhos.

Muiraquitã

Icamiabas. Assim eram chamadas as índias que, às margens do rio Nhamundá, teriam formado uma tribo de mulheres guerreiras, conhecidas por não aceitar a presença masculina em sua sociedade matriarcal.
Diz a lenda que, em noites de lua cheia, elas realizavam uma cerimônia sagrada para a Mãe Lua e convidavam os índios guaracis para que com elas tivessem relações sexuais. Após o ritual amoroso, as índias mergulhavam no lago Yaci Uara em busca de um barro especial usado para moldar um amuleto chamado muiraquitã.
O objeto era oferecido pelas amazonas aos homens com os quais houvessem gerado filhas. Estas eram criadas por suas mães e instruídas no manejo das armas. Quanto aos filhos, eram dados no ano seguinte para que seus pais os criassem.

O título, primeiro olhar que se tem do livro. Item insinuante de sua essência. Muiraquitã. Divaguei sobre o que seria seu significado até ler esse trecho. Não fosse isso, talvez finalizasse a leitura a indagar, não porque não responde coisa alguma, mas por não optar pela literalidade, nesse aspecto específico.

“Entendia a própria existência como um maravilhoso presente do destino, apesar das promessas das revistas de horóscopo jamais terem se cumprido.” ana e a bicicleta

A reunião dos contos sob o nome Muiraquitã abre alas com o cortume. E abre do jeito de escancarar portas, janelas e pernas, sem pudor, sem pedir licença, mostrando a que veio e a que se refere. E veio para dizer, que este lugar-comum em que serão alinhavadas as histórias, foram feitas para despertar, para incomodar. Para causar repulsa, empatia. Para desnortear.

“Entendi tarde demais que uma vida sem amor não passa de um desastre irrelevante. Um dia, de tanto a casa se expandir e de tanto eu encolher, nos tornaremos tais quais gêmeas quiméricas: sozinhas, vazias, uma dentro da outra.” desabitadas

Sem norte, sem chão, depois de pequena pausa necessária ao sair d’o cortume, seguimos com as seis notas bem descritas sobre a árvore do bem e do mal até sair da boca a gargalhada. Aquela de bocas desabituadas a rir, que encontram recanto n’as varais da vida, ainda que não se tenha coisa alguma para achar graça.

“Sorrir não poderia. Temia se distrair e acordar submersa em si mesma, que jamais fora salgada e muito menos profunda. Sempre doce. Sempre rasa.” cupins no aquário

E então, eis que vem ana e a bicleta, agora desabitadas, cantarolando la bobera como se não corressem da chuva ácida sobre telhado de vidro que desaba sem dó alguma dos cupins no aquário. É quando lembro que também não teria dó de cupins ou de quaisquer amores mórbidos que queiram me contar.

“Não sei explicar. Ela era verdadeira, mas também não era. Ela era real, mas também era um sonho. Feita de sonho. Como se ela fosse o sonho de si mesma. Como se todos nós existíssemos porque estávamos irremediavelmente inseridos em seu sonho. Há mulheres por aí, aos montes, sonhadoras. Mas, sonhadeira, eu só conheci ela.” sonhadeira

Tudo que resta é a profecia latente de catarina como um gesto de esperança a acabar com a peleja de dona josefa, que, sonhadeira, sonha sonhos como se não fosse apenas uma d’as vitalinas que não produziram seus muiraquitãs.

Deixaram para as duas vitalinas – assim as chamavam – apenas a casa na Rua do Passo Largo. Ali viveriam por todos os dias, uma em função da outra: Dois fantasmas cândidos que espiavam através da janela da sala o perambular sem destino dos vivos.” as vitalinas

O livro, a leitura, a essência de Muiraquitã tem dessas andanças pelas idades, pelas mulheres, pelas vidas. Faz mais ser lida do que ler. Faz continuar a cantar com a voz de Caetano nos ouvidos da memória, como se eu fosse o saudoso poeta que fosses a Paraíba. Que faz dizer que chuva ácida é só outro nome para suas segundas, terças e todas as feiras da semana, que permeiam sempre sobre tetos de vidro os quais piso com delicadeza para não estilhaçarem. Esse é meu muiraquitã.

Aleatoriedades

Muiraquitã e outros títulos da Editora estão disponíveis no site da Scenarium Plural – Livros Artesanais

Que a Força esteja com vocês!

Ouvindo: Terra – Caetano Veloso (only in my mind…)

Comente este post!

  • Luly Lage

    Essas encadernações da Scenarium Plural fazem meu coração acelerar! Sério, que trabalho mais MARAVILHOSO o deles, né? Além dos textos que envolvem e fazem pensar tem o apelo estético incrível e o cuidado incrível que o artesanal envolve. Eu olha, eu sei bem, não é fácil!

    Fiquei super curiosa com a história das Icamiabas… Adoro saber mais sobre sociedades matriarcais, principalmente as que são “marginalizadas” pela globalização atualmente. Achei maravilhosa. Inclusive amei muito suas fotos, Rê, ficaram absolutamente incríveis (você sempre arrasa nas fotos, eu sei, mas dessa vez particularmente se superou)!

    Beijos, beijos!

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    • Retipatia

      Oi Luly!
      Ah são mesmo maravilhosas essas edições! Sou apaixonada pelo trabalho que fazem e toda a combinação estética e de conteúdo é incrível, não se vê em qualquer lugar! <3
      Eu também não conhecia a história delas e gostei muito da referência que o livro faz, exatamente por esses pontos que você levantou. Achei de uma inspiração sem igual! Ah e feliz que tenha gostado das fotos, fiquei matutando a combinação pra esse livro até que na hora pareceu tudo muito óbvio... eheheh
      Obrigada pela visita!
      xoxo

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  • Kamila Alves

    Gostei da sua postagem, sempre estou visitando seu blog e lendo suas postagens.. Seu blog está salvo em meus favoritos..

    Parabéns!

    Amo seu blog ..

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    • Retipatia

      Oi Kamila!
      Obrigada, fico feliz que goste de acompanhar! É sempre bem-vinda aqui!
      Obrigada pela visita!
      xoxo

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  • Juliana Sales

    Achei tão linda e forte a história das Icamiabas. Vem muito de encontro a pensamentos que andam rondando pela minha mente já tem um tempo e que só tem aumentado. Tenho lido cada vez mais histórias, reais ou fictícias de mulheres fortes, guerreiras e determinadas. Mais uma vez saio do seu blog com uma bela indicação de leitura. E as fotos, não precisaria nem falar porque sempre digo a mesma coisa: estão lindas e harmonizam perfeitamente com o texto da resenha.

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    • Retipatia

      Oi Ju!
      Muito linda né!? Fiquei imaginando a vida e dinâmica delas, a beleza toda que acompanha isso! Os contos de Muiraquitã são fortes, sem dúvidas! E traz muita reflexão, uma sensibilidade sem igual do autor! Feliz que tenha gostado da indicação! <3 E das fotos! <3 Obrigada pela visita!
      xoxo

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  • Lunna

    Oi Re,

    Já li algumas vezes o seu post, observando as imagens e os caminhos que seus olhos traçaram do livro. Gosto de ver como o livro chega ao leitor. Gosto de acompanhar esse caminhar. As vezes, lento-rápido… ainda mais quando é um livro que passou por mim, em todos os sentidos. Desde a edição a costura. rs
    Quando li esse livro, pela primeira vez, fiquei encantada com o fato de ser escrito por um homem. Raramente acertam sobre nós. Raramente tecem personagens que são, de fato femininos. Como Machado que fez Capitu e todos acham o máximo os tais olhos de cigana obliqua. Sempre achei um olhar masculino para uma mulher e só. Emerson consegue transpor isso, como Mia Couto, mas acho que o conseguiu porque ele não tenta ser uma mulher e sim, falar das mulheres e seus sentimentos, reações. Há um pouco do autor, é claro, percebe-se, mas é um olhar mais generoso, comovido pelo que lhe chega e isso me agrada.
    Ah, eu me diverti ao imaginar o que seria Muiraquitã para você, e confesso que quase convenço o autor a não explicar até porque foi a primeira coisa que fiz quando recebi o material. Foi pesquisar a palavra e cheguei a muitas possibilidades. rs

    Bacio cara mia

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    • Retipatia

      Oi Lunna!
      Eu fico imaginando como deve ser essa sensação, de ver o livro em todas as etapas, da edição à confecção, da sua leitura à leitura alheia (se é que leitura pode ser algo alheio).
      Eu também gosto muito dessa fato que você destacou, da beleza da realidade que ele consegue exprimir. Preciso reler Capitu, mas lembro que quando o fiz, não foi nada como a sensação de verdade que Muiraquitã me trouxe, sem dúvidas, independentemente de estilos de escrita.
      Mia Couto ainda preciso ler, mas sempre vejo muitos elogios das obras dele (inclusive seus elogios…)!
      ahahah Eu preciso dizer que, se não tivesse no livro a explicação, eu estaria louca Googlando para procurar saber!
      Obrigada pela visita! <3
      xoxo

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  • Claudia

    Oi Rê!
    Que post mais interessante
    Eu acabei de ler um livro com este título também!
    Os livros da Scenarium Plural são deslumbrantes e também amo esta parceria!
    Este ainda não li, mas adorei o seu texto e os comentarios da Lunna (leia Mia Couto, é um arraso!)
    As fotos são sensacionais, sempre
    Beijão, querida

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    • Retipatia

      Oi Claudia!
      Ah gente que incrível, adoro ver essas coincidências, ainda mais quando são de temas que não costumamos ver nos livros mais populares!
      Nem preciso dizer que sou fã dessa parceria, né!? E vou ler Mia Couto sim, já me recomendaram um monte! <3
      Feliz que tenha gostado e obrigada pela visita!
      xoxo

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  • Emerson Braga

    Olá, Rê!
    Nossa… Lancei o título de meu livro e meu nome próprio na busca do Google e acabei encontrando este abraço carinhoso. Obrigado pela leitura e pela publicação da resenha. Desculpe-me pela demora de meses até encontrar suas palavras… Mas, a vida tem dessas coisa, não tem? Desses encontros não planejados. Abraço forte e parabéns pelo espaço: Um lugar para, quando sozinhos, podermos nos acompanhar de criaturas mágicas feitas de papel e tinta.

    Obrigado e até breve!

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