Conto ♥ A Cup of Tea |
Leia ouvindo Free As A Bird – The Beatles Uma caneca de chá, não. Xícara ou copo. Também não. Gosto na caneca. Então talvez fosse melhor ‘a mug of tea’. Você também pensa com frequência em uma língua que não a sua materna? Aquela que adotou em seus pensamentos como se também fosse fluida em sua mente e que, em alguns momentos, reflete muito mais do que se pode expressar? Escrevo ideias inteiras, pensamentos fragmentados ou não, misturando o melhor de cada língua e, por isso, vez por outra, elas se unem como se fossem uma coisa só. Ou, melhor assumindo, com frequência. Escrevo a cada suspiro. A cada despertar. A vida é escrita a cada passo e cada passo reflete quem eu sou. É na melodia que ressoa em meus ouvidos em ritmo lento enquanto o mundo gira sem parar ao meu redor. E se paro, ele corre e eu estagno. Se corro, ele viaja na velocidade da luz. O caminho é sempre o mesmo, ainda que, de um modo ou de outro, ele seja diferente todos os dias. Nunca estaremos no exato lugar em que já estivemos. E tudo ao redor é barulho e ruídos. Cheio de burburinhos e lamentos e bipes e sinos e palavras e mais suspiros. Muitas palavras. Palavras em demasia. – Um, por favor. – O copo está quente e queima a ponta de meus dedos, fazendo com que meus passos até a mesa mais afastada do estabelecimento sejam mais rápidos. Me sento. A bolsa vai para a beirada logo abaixo do vidro, do meu lado. Os tornozelos se encontram com o cruzar dos meus pés e o fone que estava fora dos ouvidos vai para seu devido lugar. O livro está aberto na página em que parei. Quero saber sobre os personagens, como vão terminar. Se haverá guerra ou não. Se haverá paz ou esperança. Se haverá amor. Se haverá perdão. Se haverá morte. Então o sentimento se esvai. Sim, quero saber, chega ao ponto de ser uma necessidade, mas não é apenas isso. Curiosidade? Não apenas. É que alcançar as respostas significa novas perguntas. Ou resoluções as quais não concordamos, mas que precisamos aceitar. Tomo um gole do chá. Meu corpo inteiro agradece o calor. Pego o lápis e abro o pequeno Moleskine já baqueado de minhas andanças. Se a leitura não é permitida no momento pelos meus próprios pensamentos, escrever há de ser permitido. – Está vago? Meu olhar se desprende do contato da ponta do lápis ao papel. Uma jovem me encara com um meio sorriso e um copo daquelas bebidas doces recobertas de creme e que, estranhamente, possuem o nome coffee no início ou no fim, como se, de fato, fossem café. Imediatamente – é impossível evitar – meus olhos escrutinam o lugar, verificando se não existem mais mesas disponíveis. A questão é que existem mesas disponíveis. Várias. Ela não se embaraça por minha rápida observação e sorri um pouco mais abertamente. – Não, fique à vontade. Escrever com uma estranha sentada à minha frente tampouco parece uma opção válida. É quase como se me observasse tomar banho em público. Ou talvez, pior. Você se pergunta por que eu não disse que o assento estava ocupado ou qualquer outra coisa, não é mesmo? Mas não é algo que eu...
Retipatia