Sugestão de música para leitura: Good Riddance (Time of Your Life) – Green Day
O sol está nascendo no horizonte no topo da colina em bonitos tons alaranjados que se fundem com o cinza enquanto coloco a água quente na caneca e depois adiciono dois sachês de camomila. A fragrância é tranquilizadora e promete que o dia será leve, apesar de tudo.
Como mamãe sempre dizia, “começar com um pensamento positivo, é sempre metade do caminho”. Talvez seja, de fato. A dificuldade, porém, reside no fato de que não fomos ensinados a isso.
Um minuto depois papai entra na cozinha, com certeza já alimentou todos os animais e já está carregando uma cesta pequena com alguns ovos e o leite em uma lata.
Automaticamente eu pego a cesta e começo a preparar os ovos mexidos. O calor do fogão à lenha é reconfortante, com a brisa fria que o outono trouxe. E papai sempre deixa a porta aberta, não importa a temperatura. Não que eu ache que fosse adiantar, mas não adianta mais discutir. Acho que algumas portas não foram feitas para serem fechadas, afinal de contas.
O café termina de coar e despejo o líquido quente na garrafa que coloco sobre a mesa. Coloco os pães em uma cesta, os ovos distribuídos em quatro pratos e viro o leite fresco numa garrafa de vidro. Termino de colocar a mesa e papai retorna, com as mãos e o rosto úmidos, cheirando a sabão de coco.
Como em uma sincronia diária, Rosa e Lili aparecem, ainda com os rostos sonolentos, dando alguns ‘bom dia’ embolados.
O cabelo de Lili agora está na altura dos ombros, depois que ela os queimou no fogão, tive que cortar boa parte. Mas assim, talvez papai as confunda menos, já que o de Rosa ainda chega à sua cintura.
Damos nossas mãos ao redor da pequena mesa redonda da cozinha e papai começa a orar. Mamãe sempre intitulou este momento como o ‘momento da adoração‘. Ela nunca acreditou em nenhum tipo de divindade, não do modo como as Igrejas ensinam e do modo que papai crê. Não que isso fizesse qualquer diferença para papai.
Terminamos todos com um uníssono ‘amém‘ e começamos a comer.
– Ainda bem que hoje é o última dia de aula. – Reclama Rosa.
– Por que? – Pegunta Lili.
– Porque as aulas são entediantes, Lili. – Responde Rosa.
Ambas estão no auge de sua adolescência e cada uma reagiu à seu próprio modo com a partida de mamãe. Papai não suporta que o nome dela seja dito em voz alta em sua presença e, bem, não posso culpá-lo. Especialmente quando sua mãe vai embora de casa e lhe deixa com um pai triste e duas irmãs adolescentes inconsoláveis e rebeldes, cada qual, à sua maneira.
Meu celular toca e o barulho baixo e abafado parece fora do lugar aqui na fazenda. Um sorriso surge quando vejo quem é e vou até a varanda para atender. Papai não é fã de tecnologia, muito menos à mesa.
– Amor? – Sua voz me faz suspirar, é reconfortante tanto quanto ver o sol nascer.
– Estou aqui. – Respondo e imagino o sorriso formando-se em seus lábios.
– E como vocês estão? – Ele pergunta.
– Muito bem, apesar de eu achar que minhas costas agradecerão quando finalmente ele resolver nascer.
Uma risada abafada do outro lado.
– Claro que vão, já agradeceram da última vez.
– Sim, tem razão. – Respondo.
O fim de semana nunca parecera tão distante, mesmo já sendo uma típica quinta-feira.
– Estamos com saudades também. – Ele diz e ouço um resmungo de Pedro pela linha. – Estou mandando uma foto dele neste momento.
Olho a tela do aparelho e a expressão mais fofa do mundo me encara. Meu coração se aperta de saudades e não sei como vou conseguir ficar sem eles até o domingo.
Enxugo as lágrimas com as costas da mão e sorrio ao colocar o telefone de volta no ouvido. Augusto está cantando minha música favorita do outro lado da linha, ouço sua voz e os barulhos de alegria que meu pequeno Pedro faz em resposta à alegria do pai.
– Amor? Ainda está aí?
– Claro que sim. – Respondo rindo e chorando ao mesmo tempo.
– Que bom, porque preciso que abra a porteira para entrarmos.
– O que?
– É, não sei como fazer isso. – Ele soa encabulado.
– Mas, o que está fazendo aqui? – Pergunto, já correndo descalça pela terra da estrada em frente a casa.
– Pedro disse que estava com saudades e por favor me diga que não está correndo!
Eu não desacelero, uma corrida não vai me matar ou fazer o bebê nascer nesse instante. Ainda falta muito, sei disso.
– Pedro não fala ainda Augusto! – Falo, ainda com o telefone na orelha e rindo.
– Mas temos uma boa comunicação entre pai e filho, sabe como é.
Chego na porteira e ele está do lado de fora do carro, com Pedro nos braços e segurando o telefone em seu ouvido. Dou os últimos passos e abro a porteira.
Nos abraçamos o suficiente para amassar Pedro até ele resmungar. O pego no colo e beijo seu pequeno rosto, sentindo seu cheiro delicioso e sua quentura.
Meus olhos ainda saem lágrimas, mas são de alegria. Augusto parece descabido aqui, com seu terno caro e seus sapatos sociais, cobertos de terra. E várias perguntas vêm à minha mente, mas nada realmente importante que eu precise perguntar nesse instante. Ele me dá um beijo suave e vejo minha alegrai refletida nele.
– Por que veio? Pedro deu muito trabalho?
– Nada que eu não pudesse resolver, mas não conseguia pensar em ficar longe de você e do bebê ainda mais tempo.
– Era só até domingo. – Respondo.
– Era até domingo. – Ele diz, colocando sua mão em minha barriga e acariciando-a.
Entramos no carro para subir até a casa da fazenda e ele me encara antes de ligar o carro.
– Foi algo que me disse, que me fez vir. – Ele diz.
– O que exatamente?
– Sobre deixar a porta aberta. Tinha a sensação que ela ficou aberta quando você saiu.
– Sabe que eu não estava te deixando.
– Eu sei, mas… ainda assim, me pareceu que era o certo a fazer. Estar aqui com vocês. – Ele sorri um pouco sem graça e volta sua atenção para estrada, dando partida.
De um modo geral, existem dois tipos de pessoas: as que deixam as portas abertas e as que passam por elas. Independente da razão, eu sempre preferi as que passam.
Este post foi escrito para o Desafio do Grupo Café com Blog, que deveria utilizar a palavra ‘adoração’ e a imagem fofa do bebê que está na postagem.
Que a Força esteja com vocês!
xoxo
Lila Martins
Ai que coisa mais gostosa de ler *-* e sim eu sempre leio ouvindo a música sugerida e dá sempre um ar mais gostosinho ainda! Sempre tão simples e tão cheio de significados adoro passar por aqui e ler as coisas q vc escreve Re! =D
Kimberly Camfield
Cheguei aqui só para dar uma bisbilhotada e ver se tinha algum post novo e me deparo com o blog de “roupa” nova! Ficou muito lindo , adorei tudo! O layout, as cores, o cabeçalho, esse ar mais clean <3
Agora, sobre esse post, só posso dizer que está maravilhoso! Que texto mais gostoso de ler, chegou até a me arrancar alguns suspiros. Me senti exatamente no cenário que você descreveu, que magia foi essa? haha
Adorei o trecho final: "De um modo geral, existem dois tipos de pessoas: as que deixam as portas abertas e as que passam por elas. Independente da razão, eu sempre preferi as que passam."
Beijoos
Anabela Jardim
Passando para conferir sua participação na blogagem imagem/palavra. Deixar as portas abertas é dar liberdade …
http://anabelaemblogagenscoletivas.blogspot.com.br/2017/01/honestidade.html
Leatrice Cristine da Silva Barros
Ameeei seu conto!!! Demais!
Adorei a forma como você conseguiu unir a palavra adoração e a imagem! Parabéens!
Beijos!
Erika Monteiro
Oi Rê, tudo bem? Nunca tinha me atentado a ler um conto no embalo de uma música, mas confesso que a sensação é bem mais gostosa. Os sentimentos afloram e por vezes pensamos estar submersos na história. Você cada dia escreve melhor, admiro seu talento para a escrita. Acredito que as vezes somos o tipo de pessoa que deixa a porta aberta e em outros momentos passamos por ela, mas o bom mesmo é que estamos sempre evoluindo ou mudando. Beijos, Érika =^.^=
Retipatia
Ah que legal que gostou de ler e ouvir música junto! Eu adoro essa junção e, faço quase tudo na vida embalada por música (inclusive ler e escrever!), por isso sempre recomendo! Obrigada por acompanhar os textos e pelos elogios, fico muito feliz!!! <3
xoxo